O sector do Ensino Particular e Cooperativo (EPC) representa cerca de 20% do universo da educação em Portugal (do pré-escolar ao secundário) e desempenha um papel essencial no sistema educativo nacional. Globalmente, é um sector com uma enorme diversidade de projectos educativos – transversalmente inovador, com lideranças fortes, corpos docentes estáveis, métodos pedagógicos desejados pelas famílias e ofertas curriculares sólidas – e que tem, de forma sistemática e ao longo de décadas, contribuído para educar e formar gerações de portugueses. Mas este é um sector que, lamentavelmente, no final do ano lectivo que agora arranca, ficará definitivamente mais afunilado (apesar de a procura estar a crescer), mais elitista, e apenas disponível para as famílias com efectiva capacidade financeira para exercerem a sua opção educativa.

Refiro-me à má decisão governamental do ano passado, que se vai sentir com muita força no final deste ano lectivo, de acabar com os contratos de associação – uma efectiva parceria que funcionou com excelentes resultados, ao longo de praticamente 30 anos, e que permitiu que muitos alunos oriundos de estratos sócio-económicos desfavorecidos pudessem, na sua larga maioria, quebrar ciclos de pobreza. Esta é a principal virtude das escolas com contrato de associação por todo o país, a de nivelar oportunidades e de, num modelo de parceria virtuoso entre o Estado e os particulares (na sua larga maioria cooperativas de pais e professores e obras religiosas, ou seja, entidades sem fins lucrativos), oferecer projectos educativos de qualidade em condições de acesso e frequência em tudo igual às escolas públicas estatais. A ideologia falou mais alto e a Educação, aqui conduzida pelo respectivo ministério, abandonou os carris da liberdade de escolha, reverteu a marcha e começou, infelizmente, a andar para trás, em sentido contrário a tudo o que era desejável e contra a tendência europeia de, em matéria de educação, dar mais ferramentas e soluções à sociedade civil organizada.

Na linha do lado, contudo, há um comboio a acelerar e a ganhar tração e velocidade. Um comboio no qual o EPC também se senta à frente, ao lado condutor estatal, que é um lugar privilegiado, porque não só vê o caminho de maneira límpida, como também observa o amplo e aberto horizonte. Refiro-me à boa decisão governamental de avançar com um conjunto de medidas políticas orientadas para uma maior autonomia das escolas, que ganham mais poder (e, por conseguinte, mais responsabilidade e responsabilização) para decidirem matérias curriculares e pedagógicas que são essenciais para melhorar o funcionamento global das escolas e, por conseguinte, do sistema educativo como um todo. Concretamente, refiro-me ao despacho 5908/2017, ao perfil do aluno no final da escolaridade obrigatória e aos documentos das aprendizagens essenciais. Este dispositivo de medidas políticas é um bom salto em frente no ano lectivo que começa e um bom exemplo de como o Estado pode contribuir para uma transformação positiva do sector, com ganhos evidentes para os alunos, para os professores e para as comunidades educativas globalmente consideradas. Precisamente quando abre espaço e cria meios para que os agentes que estão no terreno – aqui escolas privadas e tantas estatais – possam aplicar a sua experiência, conhecimento e iniciativa.

Finalmente, a força e vitalidade do EPC naquilo que não depende do Estado, um comboio discreto, que faz o seu caminho de forma serena e tranquila, praticamente invisível, mas que estação após estação ganha músculo e força para ser exemplo de estabilidade e corpo de paz social essencial para as famílias e para os alunos. Refiro-me ao diálogo social profícuo que, longe dos holofotes, e em concertação entre as partes, foi capaz de produzir um Contrato Colectivo de Trabalho histórico para todo o sector, com o ensino profissional incluído, que aprofunda modelos anteriores, termina com a precariedade laboral, aumenta salários reais e estabiliza de forma cristalina as carreiras docentes e não-docentes para um universo de mais de 600 empregadores e 40.000 trabalhadores.

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Em suma, na sua relação com o Estado, o EPC viaja em três comboios educativos distintos. Num, anda para trás, empurrado por uma ideologia estatizante, profundamente injusta e com resultados devastadores. Noutro, anda para frente, com velocidade, empurrado por políticas inspiradoras orientadas para o progresso, para a autonomia e com resultados que tenderão a ser amplamente positivos. Noutro comboio ainda, de retaguarda, faz o seu caminho, movido apenas pela missão de educar em paz social, com respeito pelos profissionais da educação, sem os quais nada se faz, numa atitude de abertura e diálogo permanentes.

O caminho do EPC é em frente e com muito espaço a ser percorrido. Com alguma surpresa para muitos, apesar do que se passou com os contratos de associação, e ainda em tempos de timorata recuperação em tantas áreas, o sector cresce de forma sustentada e séria – em escolas novas e em alunos –, manifestando no terreno a percepção por parte das famílias da sua consistência, mas também da sua versatilidade e da capacidade de resposta aos anseios profundos para os seus filhos, na diversidade dos seus projetos. Estou certo que, apesar dos ventos contrários e das velhas ideologias que teimam em o asfixiar, mesmo sem acesso aos rios de dinheiro que se prometem para a área, e longe de conflitualidades e equívocos laborais, o EPC terá cada vez mais representatividade e merecerá o respeito que as famílias que o escolhem com sacrifício, reclamam e merecem. E será, como sempre foi, não um quisto ou um enclave no sistema educativo, mas charneira de inovação ao serviço da melhora do sistema, prova de que a qualidade e a eficácia é bem compreendida e estimada, e espaço inestimável de liberdade cívica numa sociedade decididamente democrática, e portanto com espaço para todos, na sua variedade de projetos educativos.

Bom ano lectivo para todos, “privado” e “estatal”, mas especialmente para todas as famílias que em nós confiam e esperam o melhor dos nossos profissionais de educação e de cada escola, escolhida, imposta, ou da zona prevista.

António Sarmento é presidente da AEEP (Associação de Estabelecimentos de Ensino Particular e Cooperativo)

‘Caderno de Apontamentos’ é uma coluna que discute temas relacionados com a Educação, através de um autor convidado