Num mundo com um futuro tão imprevisível e tão incerto, não é fácil dizer nem o que se deve estudar nas escolas, nem mesmo como se deve ensinar e aprender quando se frequenta uma escola, seja esta de que tipo for.
Tenho hoje mais dúvidas do que certezas e duvido muito de todos aqueles que têm muitas certezas quanto ao que se deve estudar e como se deve fazer para que cada um possa tornar-se um cidadão competente, responsável, criativo, inovador e pró-ativo no seu comportamento e nas suas atitudes perante aqueles com quem convive ou trabalha.
Tenho, no entanto, algumas certezas sobre as quais nunca tive quaisquer dúvidas.
Refiro-me à importância que a educação deve atribuir aos Valores e aos Princípios que devem reger a vida em sociedade, que infelizmente têm estado ausentes da nossa vida coletiva e são os grandes responsáveis por muitos dos problemas que mais afligem e afetam as sociedades modernas. A ganância pelo poder e pelo dinheiro, a corrupção, a falta de verdade, a agressividade, o uso da violência, incluindo a que é exercida sobre os mais frágeis como as mulheres, as crianças e os idosos, a falta de respeito pelos outros e pelas suas ideias e convicções (religiosas, políticas, ideológicas ou culturais), o ódio entre grupos, partidos, religiões e etnias, a falta de sentido ético e o modo como deixámos de ser solidários, são hoje comportamentos que se manifestam todos os dias por esse mundo fora e que devem muito às falhas da escola como instituição responsável pela educação dos mais novos.
Quando nos damos conta de que as televisões, que são um meio de comunicação poderoso, se tornaram num dos principais instigadores das imagens de violência e de confrontos verbais abaixo de qualquer classificação, ou quando lemos textos nas redes sociais que são impróprios em qualquer sociedade civilizada e respeitadora da dignidade que cada um deve merecer, parece-me claro que é à escola que cabe necessariamente desempenhar um papel relevante na educação e na formação dos jovens, para que saibam o que são os valores de uma sociedade em que cada um tem que ter sentido ético, deve respeitar os outros e as sua opiniões, tem que saber ser solidário e sobretudo não pode ficar indiferente perante a calúnia, a injustiça, os maus tratos ou a prática da mentira como uma forma corrente de nos relacionarmos.
Bem sei que a escola não tem como único objetivo a prática e a interiorização dos Valores. A escola é, por excelência, a instituição onde se aprendem os princípios, os conceitos e os conhecimentos de base científica indispensáveis numa sociedade moderna e onde se adquirem as capacidades para resolver problemas com maior ou menor complexidade. Sei também que é na escola que se aprende a saber estar e a saber ser.
De tudo isto também não tenho dúvidas, mas atribuo aos Valores uma importância acrescida face ao que vejo e observo, quando todos os dias passo os olhos pelos jornais ou pelas televisões e me dou conta de que o que mais nos falta são políticos, banqueiros, empresários, jornalistas, comentadores e sindicalistas que se comportem dentro dos limites definidos pelos Valores que todos deveríamos respeitar e cumprir.
Todos queremos construir um mundo melhor, mas sem uma educação para os Valores e assente nesses mesmo Valores, nunca conseguiremos atingir os objetivos que queremos alcançar.
É preciso fazer um grande esforço em várias áreas para colocar a escola no caminho certo. Atribuo relevância especial a algumas políticas públicas em áreas que considero estratégicas, designadamente na universalidade da educação pré-escolar; no recrutamento dos estudantes que vão ingressar nos cursos de formação de professores; na restruturação destes mesmos cursos; nos mecanismos de seleção e colocação de professores; na vinculação dos professores às escolas; na autonomia que estas devem ter; no grau de exigência a impor pelos pais e pelos professores aos seus filhos e aos seus alunos; na qualidade do ensino ministrado; e, sobretudo, na forma como as escolas são organizadas e geridas, como respeitam os Valores e como se relacionam com os seus alunos e respetivas famílias.
Ao escrever este texto a convite do meu amigo Alexandre Homem Cristo e no final deste ano letivo ainda tão afetado pelos efeitos da pandemia, quero apenas desejar que os próximos anos de 2022-2023 e seguintes possam ser um tempo que traga um novo impulso à educação, atraindo para a docência os melhores professores e os melhores técnicos e fazendo com que as escolas se tornem verdadeiros centros de aprendizagem, de conhecimento e de são convívio. O país precisa de formar professores que sejam referências dos pontos de vista profissional, cultural e moral. Para isso há que trabalhar no sentido de credibilizar a profissão docente, dignificando a carreira, introduzindo instrumentos de avaliação e dando a estabilidade possível a quem abraça esta profissão de docente nas escolas públicas.
É preciso que a sociedade e os governos se convençam de que a educação é a base de uma sociedade mais equilibrada, menos agressiva e menos propensa aos radicalismos que conduzem necessariamente ao conflito, à violência e ao confronto, seja verbal seja físico.
Esperemos que não só os governantes, como os autarcas, os pais, os professores, os técnicos, o pessoal auxiliar, os psicólogos e os próprios estudantes, consigam criar as condições para que a escola passe a fazer parte da solução e não esteja sempre do lado dos problemas.
Mas, para isso, é necessário que haja determinação e vontade por parte dos diferentes «stakeholders» para se equacionar com seriedade as questões essenciais que caracterizam a educação em Portugal e se encontrem, através das múltiplas formas de que se reveste o diálogo construtivo, as soluções necessárias para resolver os novos problemas com que estamos confrontados e sobretudo que não falte a capacidade política que deve existir a todos os níveis, sem a qual nenhum problema poderá ser eficazmente solucionado.
‘Caderno de Apontamentos’ é uma coluna que discute temas relacionados com a Educação, através de um autor convidado.