Com o fim de 2024 à vista e à medida que as eleições autárquicas de 2025 se aproximam, ergue-se uma questão fundamental: continuaremos a legitimar a prática corrosiva do “amiguismo” ou, finalmente, elevaremos a exigência da competência acima das redes de favores?

À primeira vista, esta pode parecer uma pergunta retórica, mas encerra um dos maiores desafios da democracia portuguesa: a capacidade de escolhermos, de forma verdadeiramente livre e informada, os responsáveis pelas nossas autarquias, num país onde o poder local tem um impacto profundo na qualidade de vida dos cidadãos — algo impossível se persistirmos em nomear pessoas sem preparação adequada, cuja principal mais-valia é a proximidade a quem detém o poder.

Para começar, é importante compreender a importância histórica do poder local em Portugal. Desde cedo, as autarquias locais — que incluem câmaras municipais e juntas de freguesia — desempenham um papel crucial na gestão de recursos, na resolução de problemas quotidianos e no desenvolvimento de projectos que afectam directamente a vida das populações. A proximidade com os munícipes, marca distintiva do poder local, torna essas instituições num espaço de participação democrática que, em teoria, poderia representar o antídoto perfeito para os abusos de poder e a ineficiência.

No entanto, na prática, o que temos visto ao longo de décadas é a instalação de dinâmicas de poder que tendem a privilegiar quem detém influência ou é politicamente alinhado. Não é incomum encontrarmos exemplos de municípios em que a mesma força política governa há décadas, perpetuando a sua própria estrutura de interesses e promovendo pessoas pela sua lealdade pessoal ou partidária, em vez de se basear em critérios de competência. Este fenómeno não é novo e se alimenta de raízes culturais fortes. Costumes como o “compadrio”, o “favor político” ou o “contacto certo” mantiveram-se, enraizando-se na própria cultura política, em grande medida, devido à fragilidade das instituições e à baixa participação cívica.

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O amiguismo é um cancro que corrói a política portuguesa há décadas. Pior do que favorecer oportunistas ou incompetentes, esse fenómeno perpetua a ideia de que as instituições públicas existem para servir interesses pessoais ou partidários, esvaziando-as de qualquer sentido real de missão ou serviço público. Esse modus operandi explica boa parte dos fracassos que temos visto: projectos megalómanos que nunca cumprem o prometido, obras inconclusas que drenam recursos ou parcerias ruinosas que só beneficiam uns poucos privilegiados. Câmaras e juntas de freguesia tornam-se reféns de grupos que se perpetuam no poder, valorizando a lealdade partidária acima de qualquer mérito. O resultado é a promoção de figuras medíocres, incapazes de pensar estrategicamente ou de responder a problemas locais urgentes — como a escassez de habitação acessível, a ineficácia dos transportes públicos, a degradação ambiental ou a carência de serviços de saúde. No limite, produz-se uma democracia de fachada: votamos, mas será que escolhemos verdadeiramente?

É neste cenário que os chamados “novos partidos” surgem, em teoria, como uma lufada de ar fresco, denunciando o compadrio e prometendo uma política mais transparente e centrada no mérito. No entanto, experiências recentes convidam ao cepticismo: muitos, ao crescerem nas sondagens ou ao conquistarem algum poder, acabam por reproduzir os mesmos vícios que diziam combater. Alguns líderes locais emergentes rodeiam-se de fiéis e aliados de ocasião, e as práticas que antes eram condenadas — como nomear “amigos” para cargos-chave ou definir candidaturas com base na conveniência, e não na competência — reaparecem agora sob outra roupagem.

A pressão para repetir os erros do passado é grande e, para verdadeiramente se distinguirem dos demais, os novos partidos terão de estabelecer critérios de selecção transparentes para os seus candidatos, priorizando competências técnicas e conhecimento do território; assumir um compromisso genuíno com a prestação de contas, garantir escolhas políticas fundamentadas e livres de influências obscuras; e incentivar dinâmicas internas, de modo a não formarem uma nova elite partidária que seja apenas a cópia da anterior.

A questão é: estarão à altura de romper com o amiguismo e promover uma política que valorize a competência e o trabalho demonstrado? Ou, pelo contrário, irão repetir os erros dos chamados “partidos do sistema”, privilegiando redes de influência e amigos? Até agora, muitos desses partidos mostraram-se rápidos a criticar, mas lentos a demonstrar que são capazes de fazer diferente. Prometem o céu, mas arriscam-se a ser cúmplices do mesmo inferno.

As eleições autárquicas de 2025 representam, por isso, um teste de fogo: ou continuamos reféns de uma política que privilegia a lealdade cega ou decidimos dar um salto qualitativo, elevando o patamar de exigência e apostando numa nova geração de autarcas capazes e comprometidos.

A bola está agora do lado dos novos partidos. A responsabilidade de provar que são mais do que uma alternativa retórica ao sistema vigente recai sobre os seus ombros. Se forem capazes de concretizar esta transformação e demonstrar, com acções, que priorizam o interesse das populações acima dos jogos de poder, poderão conquistar a confiança dos eleitores e abrir caminho para uma verdadeira renovação no poder local. Se falharem, arriscam-se a tornar-se apenas mais uma peça no tabuleiro da velha política, agravando a descrença dos cidadãos e alimentando ainda mais a apatia e o conformismo.

Feliz Ano Novo! Que 2025 seja o ano em que elevamos a nossa ambição, a nossa coragem e determinação para transformarmos os desafios em conquistas.