Foram colocados 271 alunos em cursos de engenharia aeroespacial ou engenharia aeronáutica entre a Universidade da Beira Interior, o Instituto Superior Técnico, a Universidade de Aveiro e a Universidade do Minho. Três destes cursos estão no top 10 de médias de acesso a nível nacional em virtude da elevadíssima procura, provavelmente associada a questões de marketing do nome. Estes alunos estarão, daqui a 5 anos, previsivelmente, a terminar os seus mestrados e a entrar no mercado de trabalho. Todavia, e não obstante o crescimento enorme da área da aeronáutica, espaço e defesa teve nos últimos 20 anos, já representando cerca de 2% do nosso PIB, estimando-se que possa chegar a 3% em 2030, não existem 271 engenheiros Aeronáuticos aeroespaciais a trabalhar no nosso país na área para as quais já foram formados. Reforço, em cinco anos teremos mais diplomados anualmente do que o total de diplomados a atuar na área atualmente! Isto se, entretanto, não abrirem mais vagas pois desde 1992 até 2021 tínhamos apenas 2 cursos (UBI e IST) e nos últimos 2 anos abriram mais dois (UAveiro e UMinho) e pelo que sei, mais abrirão nos próximos anos (Nova, FEUP e UÉvora ou outros).

Claro que é interesse das universidades porque com o nome aeroespacial irão encher as vagas mas o que realmente nos interessa não é saber as médias de acesso, mas sim a taxa de empregabilidade na área, as médias salariais ao fim foi de 2, 5 10 anos dos alunos serem formados e a taxa de emigração destes profissionais. Quando fica óbvio que estamos a formar profissionais para exportação ou trabalhar noutras áreas impõe-se uma reflexão sobre se mais cursos e vagas na área farão sentido.

Na outra ponta do espectro das Engenharias, figuram 20 cursos de Engenharia Civil em que há mais de 10 anos, consistentemente, metade dos cursos têm menos de 10 colocados e vários deles não têm nenhum colocado na primeira fase. É uma situação que se perpetua, e ninguém faz qualquer reforma a respeito. Na Beira Interior existem três cursos de Engenharia Civil, em Castelo Branco, na Guarda e na Covilhã. Em Castelo Branco e na Guarda não houve qualquer aluno colocado e na Covilhã houve quatro nesta primeira fase de 2023. Isto é manifestamente insustentável. No Alentejo já houve Engenharia Civil em Beja, Évora e Portalegre, hoje não há nenhum pois não houve visão ou estratégia regional nem nacional a respeito. Se a estratégia da Beira Interior for manter estes três cursos insustentáveis (Castelo Branco, Covilhã e Guarda), a prazo, ocorrerá o mesmo. Governar é fazer escolhas e a tutela deveria decidir qual dos três cursos manter e tomar idêntica decisão relativamente a vários outros cursos neste país.

Não podemos construir universidades que abarquem as mesmas áreas do conhecimento em terras a 50 km de distância em zonas despovoadas. Isto, como os números ilustram, é completamente insustentável e contraproducente. Precisamos de um pensamento estratégico e integrado que ignore os interesses particulares, regionais e corporativos e que pense o país no seu computo, como o Ministério da Ciência, Tecnologia e Ensino Superior deveria fazer e não faz.

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Os reitores estão sempre a queixar-se falta de autonomia universitária, mas parece-me que neste capítulo há demasiada autonomia porque o interesse das universidades não é necessariamente o interesse nacional e infelizmente a tutela continua a evitar fazer reformas importantes e de senso-comum com as quais, no médio prazo todos ganhariam.

Não defendo voltar a um Ensino Superior apenas em Lisboa, Coimbra e Porto, mas só descentralizando e concentrando e não dividindo teremos a massa crítica para nos diferenciarmos, especializarmos, ganharmos reputação, capacidade de oferecer disciplinas opcionais aos alunos para conseguirmos ter melhores investigadores, maior capacidade de alavancagem, de ligação com projetos internacionais.

Termino realçando aspetos positivos. Em primeiro lugar a qualidade do ensino Público em Portugal ensino superior é genericamente boa e é um dos poucos domínios em que os serviços públicos que são prestados pelo Estado são de qualidade, a despeito das muitas limitações orçamentais. Em segundo lugar, importa mencionar que o ensino superior é o único verdadeiro exemplo de descentralização bem sucedido que eu conheço em Portugal, e é-o por uma razão simples – porque foi uma conquista do Portugal democrático e a respetiva rede foi construída assente no enorme crescimento do número de alunos, não foram mudadas as instituições que existiam porque nós sabemos que em Portugal, país em que todos reconhecem que tanto precisa de mudar, ninguém está disposto a fazê-lo, veja-se os exemplos da tentativa gorada do Partido Social Democrata em levar o Tribunal Constitucional e Supremo Tribunal Administrativo para Coimbra ou da igualmente mal sucedida tentativa do Partido Socialista em levar o INFARMED para o Porto.