No cenário político global, vemos um crescimento alarmante dos extremismos que têm capturado o espaço de forças políticas moderadas. A dicotomia anacrónica e maniqueísta de dividir as forças políticas entre direita e esquerda serve perfeitamente aos interesses das forças extremistas e antidemocráticas (de ambos os polos), porquanto os partidos moderados, sejam eles de centro-esquerda, centro ou centro-direita, ficam manietados na ação e no discurso e, ou se esvaziam ao aliar-se com os polos do seu hemisfério ideológico, ou se radicalizam para não verem o seu espaço reduzido, assim contribuindo para a antagonização e para por, de uma forma ou de outra, a médio prazo, em risco os alicerces dos nossos sistemas democráticos.

Há e haverá sempre muito mais a unir partidos moderados de ambos os espectros políticos do que a separá-los, assim como há e haverá sempre muito mais a unir partidos extremistas e radicais de todas as índoles do que a separá-los. Este é um axioma fundamental da política e uma premissa basilar das democracias liberais ocidentais. As democracias e os sistemas capitalistas que lhes estão subjacentes são frágeis, limitados e recheados de problemas e dificuldades, mas contribuíram para o maior período de paz, desenvolvimento social e prosperidade que a humanidade já conheceu. Eles parecem dados adquiridos, sobretudo para os mais jovens que sempre neles viveram, mas não são. Temos de pugnar por eles todos os dias.

As forças extremistas caracterizam-se pelo uso de retórica incendiária e polarização para ganhar apoio graças à criação de divisões profundas nas sociedades. O silêncio ou a anuência dos moderados, aqueles que desejam a estabilidade e o diálogo, é frequentemente superado pelo barulho estridente dos extremistas. Veja-se a dinâmica mutuamente estimulante com que forças pró-Israel e pró-Palestina numa cacofonia clubística alheia, na sua grande maioria, à racionalidade se digladiam sem fim.

Em Portugal, os extremos são representados por três partidos políticos, o PCP, o BE e o Chega. O Partido Comunista Português segue a sua matriz soviética e caminha para a sua irrelevância política, confundindo ideologia com teologia, e continuando a defender as mesmas receitas falhadas de sempre. No fundo, a lamentar o regime democrático vigente, depois de logradas as suas tentativas de impor uma ditadura popular durante o PREC. O Bloco de Esquerda alinha, no essencial, com a retórica do Partido Comunista, com exceção das causas fraturantes. A sua força motriz consiste num profundo ódio de classe, que se manifesta pela crítica fácil aos governos de turno, pelo constante reclamar de direitos, e pela permanente exigência de mais e mais despesa pública. O Chega é hoje uma espécie de partido de extrema-direita, que de direita tem pouco e de extremismo tem muito. É, na substância, de um vazio ideológico e programático aterrador, paupérrimo ao nível da densidade intelectual dos seus protagonistas, e, apesar de ir trazendo à discussão assuntos que outros não trazem, não tem qualquer proposta visível ou ideologicamente sustentada para poder ser uma alternativa.

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No essencial, estes partidos, como outros extremistas vivem da rua, da manifestação, da crítica fácil, do soundbite, e, sobretudo, de criar divisões e inimigos, alimentando-se por isso uns dos outros. Sejam os “trabalhadores” contra o “poderosos” (BE/PCP), seja os “portugueses de bem” contra os “portugueses de mal” (Chega).

Desmontar as suas retóricas é muito fácil quando há tempo para o efeito, mas no frenesim das redes sociais, em que tudo são vídeos de poucos segundos e textos muito curtos, fica difícil combater estes discursos e muito mais fácil veiculá-los. Num debate presidencial, em 2021, entre o prof. Rebelo de Sousa e o dr. André Ventura ficou claro que havendo tempo e contraditório a retórica populista é facilmente desmontável. O atual Presidente da República deu uma aula de como debater com extremistas e cilindrou o discurso divisivo do candidato do Chega.

Dito isto, importa ressaltar que o sucesso dos extremistas se deve muito à sua habilidade em capitalizar preocupações legítimas da população. Muitas vezes, as pessoas sentem-se, justamente, ignoradas pelas elites políticas tradicionais, e os extremistas apresentam-se como os únicos que representam essas vozes. E aqui a culpa é dos partidos tradicionais cujas elites políticas se têm afunilado progressivamente e distanciado do país real. A verdade é que os cidadãos se sentem crescentemente desencorajados em se envolver na política devido ao clima tóxico e polarizado. O famoso “são todos iguais” ou “são todos ladrões” são sofismas que afastam muitos da política. Como dizia o professor Cavaco Silva, num célebre artigo, em finais de 2004, que veio a ser interpretado como um contributo para a dissolução do parlamento no início do ano seguinte, «a má moeda expulsa a boa moeda», interpretação política da lei de Gresham (da economia).

Acresce que os discursos moderados, por não serem esdrúxulos, têm menos likes e, por vezes, menores audiências televisivas, radiofónicas ou digitais. O discurso moderado e sensato não vende tanto, e tem, por essa razão, um grau de divulgação relativamente menor.

Ainda assim, os Portugueses são esmagadoramente moderados. Somados, Chega, BE e PCP tiveram 15.9% dos votos nas eleições de 2022, sendo que os partidos moderados granjearam 84.1%. Nessas mesmas eleições houve 48.5% de abstenção. É razoável intuir que os abstinentes são moderados, pois aceitam qualquer resultado típico em Portugal, seja vitória do PS ou do PSD, como ocorreu sempre até hoje. Portanto, as forças extremistas representarão, com elevada probabilidade menos de 10% e as moderadas mais de 90% do eleitorado. Será aceitável que os partidos maioritários se deixem manietar, ou deixem os seus concorrentes moderados manietar-se por forças políticas extremistas e minoritárias? Acredito que não, e que a praxe democrática de deixar governar o partido/coligação mais votado deva prevalecer, sendo que ao segundo partido mais votado deverá caber a responsabilidade de, com exigência e escrutínio aprovar parlamentarmente os orçamentos do partido mais votado, demarcando-se e fazendo oposição responsável e credível. O que ocorreu entre 2015 e 2019 foi o renegar da história e das linhas vermelhas gizadas, desde logo pelo fundador e histórico líder do Partido Socialista, Mário Soares, ao distinguir as forças democráticas (à época PS, PSD e CDS-PP) das extremistas (à época o PCP).

Neste particular, Luís Montenegro deu dois contributos importantes que o distinguem de António Costa. Disse que não seria Primeiro-ministro se o PSD não fosse o partido mais votado e disse que não se iria aliar a forças extremistas (Chega, BE ou PCP). Esta reposição da normalidade e clareza de propósitos contribui para dizer inequivocamente aos eleitores do espaço à direita do PS que qualquer voto no Chega é um contributo para a eternização do PS no poder, sendo que apenas votando no PSD, no CDS-PP ou na IL se estará a contribuir para uma maioria alternativa.

Ser moderado não é ser pró-sistema nem ser situacionista. Ser moderado é saber que não há soluções fáceis para problemas difíceis e reconhecer que extremismos de qualquer tipo não são, e nunca foram, a solução para algum problema. Os problemas enfrentados pelo mundo atual são complexos e multifacetados, e só poderão ser agravados se optarmos por abordagens radicais.

Saibamos, pois, discordar sem perder o sentido do chão-comum, ter adversários e não inimigos, escrutinar sem culpar, criticar sem demagogia, divergir sem antagonizar e negociar sem outras intransigências que não a defesa obstinada de uma democracia plural e das nossas liberdades individuais, coletivas, nomeadamente, a liberdade de expressão.

Como dizia Martin Luther King, no seu tempo e no âmbito da sua luta: o que me preocupa não é nem o grito dos corruptos, dos violentos, dos desonestos, dos sem caráter, dos sem ética… O que me preocupa é o silêncio dos bons!.

Saibamos nós também, no nosso tempo, perceber a luta que está a ocorrer e que a mesma não se joga num tabuleiro de esquerda versus direita, mas num tabuleiro de moderação versus extremismo. Num mundo cada vez mais perigoso, imprevisível, dividido e polarizado, é vital que os cidadãos e os políticos moderados se ergam contra o barulho dos extremos.