O executivo, com pouco mais de nove meses de existência política, embora se comporte como se há décadas existisse, vê a idoneidade dos seus membros ser posta em causa dia após dia na sequência de uma sucessão de eventos que contribuem fortemente para a degradação da imagem institucional da democracia portuguesa. Por onde anda a oposição que poderá constituir uma alternativa efetiva ao atual “status quo”?

Uma sucessão interminável de “casos e casinhos” fazem manchetes de jornais, desde a chegada do atual Governo ao poder com maioria absoluta, maioria essa que teoricamente seria um garante de estabilidade, embora esteja manifestamente longe de o ser – é hoje a força motriz de um caos político que justifica o crescente desinteresse e desconfiança face ao poder político.

Sem amarras à esquerda e com uma oposição em período de reconfiguração de lideranças por um lado e ampliação da presença parlamentar por outro, estava aberto o caminho para uma legislatura que, ingenuamente, pensámos que seria marcada pela estabilidade.

Afastamento de secretários de estado à terça, seguidos de demissões de ministros à quinta, espelham a estratégia errática ou no limite a ausência de estratégia de um partido que insiste em partidarizar o Estado. Um ato a que se deveria recorrer em circunstâncias absolutamente excecionais tornou-se parte da rotina de um executivo sem visão de longo prazo para o país, o que augura um futuro pouco risonho para terras lusas.

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No Estado de Direito o exercício de poder está alicerçado na participação popular, participação esta que não se esgota em momentos eleitorais, contempla a participação ativa e construtiva dos cidadãos na resolução dos problemas nacionais através do constante escrutínio do exercício do poder político. Fossemos nós uma nação de almas de latente inconformação e os alarmes já se teriam feito ouvir ensurdecedoramente.

Não fosse tudo isto já suficientemente trágico, paralelamente a oposição, quando procede a um raio X interno, apesar de não o verbalizar, demonstra não ser suficientemente audaz para disputar eleições e vencê-las. Se, numa primeira fase, fomos invadidos por um tímido otimismo disfarçado e um sentimento agridoce por o espaço da direita democrática possuir em muitos anos uma liderança com uma arquitetura visionária alternativa, hoje muitos são os que já perderam a esperança.

O antídoto para a irresponsabilidade e impunidade política é a existência de um contraponto forte e a direita portuguesa deve isso ao espaço não socialista. Este quadrante político precisa urgentemente de lideranças que lhe dêem voz, de um rosto que se oponha ao atual “status quo” e a mocidade da liderança do maior partido da oposição não pode ser desculpa para que não constitua um contraponto efetivo.

O maior partido da oposição continua a não oferecer um projeto de país que conquiste o coração dos portugueses e consequentemente o seu voto – o tempo corre e se não o conquistarem outros ocuparão o seu lugar e certamente triunfarão, ou pela robustez do seu projeto político e ideias ou pela força do desespero de eleitores que perderam o chão.

Desde a sua génese o Partido Social Democrata possui uma função de contrapeso ao Partido Socialista. Nos últimos anos emergiu em disputas internas e questionamentos existenciais, desviando os olhos daquela que é a razão pela qual milhares continuam a dar-lhe o seu voto de confiança eleição após eleição: colocar Portugal na rota do crescimento económico promovendo assim a melhoria das condições de vida dos cidadãos.

O seu sucesso enquanto alternativa ao atual “estado de coisas” é diretamente proporcional à sua coragem – ter altos níveis de popularidade assentes na omissão de verdades difíceis, estratégia seguida pelo atual primeiro-ministro, não pode ser repetida por quem a ele se opõe e dele se pretende distanciar. Sem coragem dificilmente sairemos da encruzilhada a que o atual executivo nos conduziu na sequência da sua profunda irresponsabilidade governativa.

Normalizar o absurdo é entregar deliberadamente aos extremos a oposição e torna inevitável que se assumam como porta-vozes da realidade.

Nove meses, doze baixas: o padrão de instabilidade é a imagem de marca de um executivo que governa com os olhos postos nas próximas eleições e que insiste em usar o poder para satisfazer os seus interesses. Por considerar que a sua permanência no poder é inabalável e que está acima da lei, a incompetência é inconsequente – prática que parece reinar para os lados do Largo do Rato.

Se a narrativa não se alicerçar em factos rapidamente é desmentida pela realidade, como sucede com tanta regularidade. O atual governo e a sua liderança têm de fazer as pazes com a realidade, devem-nos a verdade e temem em nos brindar com ela.

Hoje, mais do que nunca, urge que coloquemos a seguinte questão e que a ela sejamos capazes de dar resposta: estaremos condenados a ser governados por quem tem no topo das suas prioridades a satisfação de interesses pessoais em detrimento do serviço àqueles para quem se governa? Ser mal governado não é uma fatalidade mas sim uma consequência direta das nossas escolhas que continuam a colocar no arco da governação aqueles cuja ação e legado são marcados pela “incompetência à la carte”.

A perpetuação de uma cultura de impunidade cujo rosto é um homem que padece de um profundo desligamento da realidade, consequência de quem vê o país do Palacete de São Bento há demasiado tempo, do alto dos seus sete anos de governação, potencia a ideia de que se é invencível. O mês de dezembro foi o cair do pano de uma maioria absoluta que dispõe de todas as ferramentas para definir e alcançar objetivos ousados que voltassem a colocar o país na linha da frente em termos de prosperidade mas que lamentavelmente prefere perder tempo com clientelismos e nepotismos.

Nenhum de nós pode ficar indiferente aos factos – compactuar com uma estratégia que prova diariamente que não merece a confiança dos mais de 2 300 000 portugueses que, em janeiro do ano passado, depositaram nela o seu voto é condenar o nosso futuro ao fracasso. Uma coisa é certa: sem alteração de estratégia não se alterarão resultados!

Na obra Os Maias de Eça de Queirós, um dos mais notáveis escritores portugueses, pela voz de Carlos da Maia o escritor descreve brilhantemente em que se alicerça a alma do português que encolhe os ombros perante um futuro inevitavelmente dramático : “Nada desejar e nada recear… Não se abandonar a uma esperança – nem a um desapontamento. Tudo aceitar o que vem e o que foge, com a tranquilidade com que se acolhem as naturais mudanças de dias agrestes e de dias suaves”.

Falta a Portugal uma verdadeira cultura de exigência face ao poder político que contribui para a perpetuação de uma cultura de impunidade de uma classe política que revela ter pouco apreço pela prestação de contas e assunção de responsabilidades aquando do cometimento de erros – o ser humano é falível por isso insistir num discurso profundamente utópico é desprovido de racionalidade.

Houvesse no mínimo o reconhecimento de que algo correu mal seria já um bom sinal mas tal parece difícil pois seria admitir que se cometeram erros e que o rumo a seguir tem de ser alterado – não se atrevam a denunciar quem é incompetente, temos quatro anos pela frente e como se diz lá para São Bento “habituem-se”.

Um executivo desprovido de ambição e com provas dadas de que não tem capacidade para responder aos desafios que a contemporaneidade impõe encaminhar-nos-á para a cauda da Europa. Ignorar a realidade que está diante dos nossos olhos tornará inevitável o nosso insucesso coletivo!

O Governo não se apresenta como a solução para os problemas que urgem ser resolvidos, paralelamente a oposição que o critica veementemente não se mostra capaz de constituir ela própria a solução.

Encolher os ombros e colocar paninhos quentes em casos de proporções dramáticas é ser cúmplice de um futuro que está longe de ser risonho.

O Estado de graça durou pouco, já o da desgraça tenderá a prolongar-se enquanto a estratégia seguida não se alterar. É tempo de mostrar um cartão vermelho ao atual “estado de coisas” e todos aqueles que se demitirem de o fazer serão tão culpados quanto os que nos encaminharam para esta encruzilhada cuja saída parece mais distante do que nunca.