1 O futebol é uma movimentação tumultuosa, cheia de vigor e ardileza na qual dois grupos mais ou menos organizados, designados por Equipas, travam uma batalha incansável pela captura de um objecto esférico que se designa por Bola. O objectivo de cada equipa é concretizar o tão desejado Golo, ou seja, introduzir a bola dentro de uma Baliza, e evitar que a equipa adversária faça o mesmo. O Golo é então o momento alto do jogo e é efusivamente festejado, e analisado ao detalhe, por jogadores, treinadores, adeptos, jornalistas, comentadores, artistas, pescadores, apicultores, armadores de ferro, e outros… A equipa que conseguir concretizar mais golos é a equipa considerada vencedora. O que dizer ainda do surpreendente mundo do futebol? O futebol é total; o futebol é irracional, é ritual e territorial. O futebol é um facto social total! Tal e qual! A festa na bancada vai ficando animada; cheira a pancadaria, cheira a goleada! E o adepto? O adepto é acidental, parcial e contextual; o adepto é um seguidor zelador, incondicional; ele clama, grita, ri e sorri; ele salta, pula e dança, na esperança… quer a liderança. Ele oscila e vacila… mas no fim, abraça e enlaça, a massa. Quer a taça! E o Jogador? O jogador até tem talento, mas é lento… não tem andamento! Que correria e que energia; é craque! É pura magia! Ele corre e acorre, salta; ele sai, entra, não entra, abanca, desbanca, na retranca; ele fica e vai, ele tropeça, simula e cai! E agora, senhor juiz! Foi homem? Foi bola? O que é que me diz? Sanção, punição… é penalty! Toma lá cartão! O quê, penalty!? Mas foi pura simulação! Que raiva, que frustração, que desilusão! E que golão! Aguenta coração!
Ó juiz, de ti fazem um vilão de ocasião; serás tu um fraco, puxa saco, que não aguenta a pressão!? E tu Presidente!? Tu até és um fiel crente, experiente e inteligente mas, infelizmente, és de muitas coisas dependente… és excessivamente sorridente, e és até inocente, eventualmente… mas às vezes, presidente, és mesmo, mesmo… lamento! Obviamente! E tu até gostas da gente, mas não tens orçamento. Francamente!
E tu Empresário!? Tu és um incendiário, intermediário diário, és um proprietário desnecessário! És um agente impaciente, assente integralmente na tua vertente. Evidentemente! E tu Secretário!? Tu és importante e determinante, tu és um chato diário, mas és necessário! São procedimentos, regulamentos, planos e orçamentos; acumula-se a papelada, o papelório e a papelocracia… e quem é que vai resolver? Tu, com a tua sabedoria! E tu, camarada Roupeiro? Tu és o maior e és matreiro, mas és amigo e companheiro! E à bela da rouparia é vê-los, jogadores e treinadores, em romaria! E tu, guarda guardador do campo? Tu és da relva o tratador, mas és, também, o adivinha e o sabedor… de quem é o próximo treinador! Tem mas é cuidado com o relvado empapado, encharcado, e ensopado! Não vês o treinador a perguntar, os jogadores a reclamar e o presidente a assobiar? E toda a gente pisa, repisa, agita e palpita…. áh relva maldita! Não há relvado, não há treino! Vamos pró sintético! Patético! Ficaste aleijado, estás lesionado? Vai ao posto médico, paramédico e ortopédico; vai à clínica, que é mais seguro que inseguro. E será que em dia, tens, o seguro? O quê, tens peso a mais? Excesso de gordura? Toma lá essa dura! O futebol é total, é genial… tal e qual!
2 Sem equipas organizadas, competitivas, (e financiadas…) não há futebol! Por isso, jogador, presta atenção! Não és tu o central! Não vês que estás mal!? Então ganha no ar, não deixa bater, não deixa virar! Vai com tudo, miúdo! Combate, e rebate… bate! Atenção lateral, encaixa… não baixa! Vai para cima, sobe, dá largura… segura! Dentro, por dentro, por fora… vai-te embora! Concentra lá ó lateral, olha a diagonal! E o Ala!? O ala é lento, sem temperamento, sem argumento. Lamento, mas não tem andamento! Não dá amplitude, não ilude… não tem atitude! Olha-me o médio… que tédio! Que macio, que tardio, que arrepio… ai o calafrio! Não permuta, não disputa, não labuta. Não é a batuta! E olha-me o redes, é tão fraquiiiiinho! Bem tenta, tenta… mas não vai, não sai, não cai, não pula, não salta e não voa! Só faz fita, falta e a bola entra, entra… ó redes, concentra!!! Será que tem culpa? Multa! Não tem presença, não tem imprensa, não faz a diferença… dispensa! E olhem o trinco! É um tronco, um tonto… é um bronco! Já não tem idade, não tem habilidade… falta-lhe intensidade! Ó trinco, atenção! Olha a cobertura, olha a contenção… olha a transição! E tu matador!? Não és lança, não és ponta? Não és o ponta de lança!? Então avança! Por dentro ou por fora… tu és a experiência, tu és a referência! Tens um olfato que nem gato, craque! E com tato, ainda assinas o contrato!Embora lá, pessoal, pressão alta! Chega, aperta, salta, ressalta, mata, faz falta! Com tudo, malta !!!!
3 Nem sempre as melhores equipas têm os melhores jogadores; por vezes, a magia, o talento do craque faz toda a diferença. O jogador é um corredor nato. O folclore diz que o jogador tem de correr, o fado…
Vai então numa correria cantada e arrebatada, o jogador; o seu jeito é arte e dom, é vocação e comunhão. Ele corre, ataca e simula, a vida, a morte… e a sorte! Ele chora, implora, chega ao fim e sorri… a alegria, a fantasia. O jogador é uma mistura de coisas acesas, inflamadas; ele é portador do engenho e sedução. O jogador é um ser variante, versátil, alterável; ele tem o ofício do jeito, do engano e da paixão. O jogador aparenta o espanto, mas é um simulador fingidor… brilhante! É esse o seu engodo, o seu encanto e atracção, e as gentes celebram e aplaudem a proeza da destreza, a glória, e a vitória. As gentes ansiosas e solitárias, aclamam, ovacionam; as gentes precisam de um herói e de um campeão; precisam do sonho, do devaneio e da ilusão! E o jogador eleva os braços e abraça, a massa; a sua fisionomia esplendorosa é um disfarce, uma máscara temporária. Mas a sua vida é efémera e passageira, fugaz e derradeira, e a multidão anónima, inquieta, turva… agita-se como pode, e ri, chora, vibra e grita, extasiada. Ela sabe bem, mas prefere tudo isso… a nada! Mas o jogador também é um sonhador… na vitória é amado e aclamado; na vitória é bem-aventurado, criador e goleador; é até, embaixador. Vem a derrota e logo passa a anedota; ninguém quer saber do seu valor. Na derrota, não passa de um mísero número, de uma quantidade, de um equívoco inequívoco; na derrota, é o caso da jornada, é a revolta da bancada; na derrota, é jogada inacabada, é contratação falhada. Ó jogador sonhador, na derrota ninguém quer saber da tua dor.
4 Para completar o triângulo mágico da equipa de futebol temos a figura incontornável do Mister. Ó Mister! O que é que se passa!? Não queres a taça!? A equipa não cria, não tem alegria, não anda, desanda, não corre, não sobe… morre! Está presa, à defesa, confusa, difusa, sem pressa, com pressa, sem calma, sem corpo nem alma! Não tem coletivo, não tem objetivo ou assunto… não tem conjunto! Cuidado ó Mister, com o treinador… adjunto! Então, não ouves o crítico analista, comentador comentarista? Não ouves o político gravítico e analítico, jornaleiro e jornalista editor, a falar no televisor? Não ouves o artista trabalhador, eletricista e cantor, carteiro, engenheiro e doutor a opinar, a criticar, a achar e a avaliar, a considerar, a alvitrar, a julgar, a insultar e a gritar, com fervor? E não ouves, ó mister, o repto do adepto? Mas afinal, que equipa é esta… que não houve a palestra!? Ó Mister! Risca, rabisca, bisca e faísca… mas ao menos tenta e inventa! Arrisca! E depois do risco… venha de lá o petisco! Mas cuidado, ó mister, com o menisco! E com o fisco… Põe o ala por dentro e o defesa na frente; põe a defesa a sair, o meio-campo a subir e o ataque a marcar! Ó Mister! Põe a equipa a jogar, o ponta a faturar e a claque a vibrar! E não vacila! Abre o olho, mete gelo e… desconfia! Não foste apurado? Qual o resultado? O quê!? Perdeste? Com este? Desapareceste! Já eras, já foste, estás morto, morreste! Pede a demissão, pede uma reunião, um acordo, um desacordo, o contrato e o pacto, e depois se necessário, queixa-te ao sindicato! A vida por um fio, ai que arrepio! É doentio. A bola é fantasia, sabedoria… a bola é filosofia! A bola é favor, fervor, bom e mau humor. Ó Mister… andor! A bola é mágica! A bola é trágica!
5 O momento alto do futebol é o campeonato, a competição, a partida, o jogo. Por isso, quando a equipa perde instala-se o silêncio, a depressão e o desespero; os jogadores culpam o árbitro e o estado da relva, o treinador culpa o anti jogo e o árbitro, por nada fazer para o impedir, os adeptos culpam o treinador, a polícia culpa os adeptos, os adeptos queixam-se da carga policial, o empresário acha que o treinador “mexeu” mal, o presidente acha que o treinador “mexeu” tarde, o filho do presidente acha que o presidente devia “mexer” no treinador, a mulher do presidente não sabe quem é o treinador, os suplentes acham que deviam ter entrado, os não convocados acham que deviam tê-lo sido, o treinador desempregado, sentado ao lado do presidente, na bancada, acha a equipa algo confusa, sem ideias… Os bombeiros queixam-se dos acessos, o massagista queixa-se do departamento médico, o motorista queixa-se do roupeiro, o roupeiro queixa-se do excesso de trabalho e da lavandaria, a lavandaria diz que a culpa é dos roupeiros, o director de campo queixa-se do treinador de guarda-redes, o treinador de guarda-redes queixa-se do analista e do tratador da relva, o tratador da relva queixa-se do vendedor de sementes, o delegado culpa os “apanha bolas”, os “apanha bolas” queixam-se das sandes, o treinador principal queixa-se dos adjuntos, os adjuntos queixam-se do intercomunicador, o director de comunicação queixa-se da falta de comunicação, o financeiro queixa-se de todos; e a bola!? A bola, a bola… até chora!
6 E quando a equipa ganha? Qual o real valor da vitória?
Vitória é triunfo, sedução e é glória; é fama justa, efémera e transitória. A vitória pode mudar a história, e avivar a memória; pode mudar a oratória, pode até mudar a mão à palmatória. Após a vitória, lá vêm os cumprimentos, abraços e embaraços; lá vêm as comemorações, felicitações e contradições. Mas afinal o que é que mudou? A bola bateu no poste e… entrou! E o Presidente? O Presidente está contente, o vice ausente, e os sócios? Os sócios, alternadamente. E a Direcção? A Direcção está expressivamente reluzente e de pé, aplaudem… intermitentemente! E agora, após a vitória? Após a vitória, até a relva é decente, o Roupeiro condescendente, o Director sorridente, a água corrente, e as sandes de pão quente! Alguns alegres ficam, mas exteriormente, outros ficam, verdadeiramente; já outros, temporariamente. E para os da casa, residentes? É mais ou menos indiferente. Para outros, finalmente, o adversário era fraquinho, fraquinho, fraquinho, evidentemente! E o árbitro? O árbitro foi um habilidoso, conveniente, foi um artista inteligente. E o mister? O mister, fazedor de prantos e sonhos, estará sempre, sempre na corda bamba dependente! Mas afinal, o que é que verdadeiramente mudou? A bola bateu no poste mas desta vez… entrou!
Nota: No clube da minha terra, 99,9 % da massa adepta percebe de futebol. Para estes não há quaisquer segredos. Logo por azar, nos restantes 0,1%, aqueles que nada entendem do fenómeno futebol, estão aqueles que estão à frente dos destinos da equipa. A saber: são os treinadores, os técnicos e fisioterapeutas, os analistas, psicólogos, fisiologistas, e outros colaboradores. Logo nestes… por azar!!!!
O futebol é isto!