Há figuras que o tempo não apaga. Pelo contrário, o tempo apenas lhes acrescenta brilho, como se a distância dos dias lhes devolvesse a nobreza que os nossos tempos apressados tantas vezes esquecem. O General Ramalho Eanes é uma dessas figuras.
Homem de silêncio firme e palavra escassa, mas certeira. Verticalidade é a palavra que me vem à mente sempre que penso nele. Verticalidade, essa qualidade que tantas vezes falta a quem anda pelos labirintos do poder, mas que em Eanes era, e é, como respirar. Não precisou de declará-la, como tantos outros fazem; vivia-a, simplesmente.
Foi Presidente da República num tempo em que Portugal ainda experimentava o gosto amargo da instabilidade. O 25 de Abril era recente e as forças da revolução e da contra-revolução debatiam-se pelo futuro. Ramalho Eanes, sem querer protagonismos, colocou-se no lugar certo: no do dever. Não cedeu a pressões, não se deixou arrastar por agendas ou ambições pessoais. Estava ali para servir.
Conta-se que, depois de deixar Belém, recusou inúmeras propostas que lhe teriam rendido fortunas. Empresas e grupos de interesse disputavam o seu prestígio, mas Eanes recusou todas. Preferiu viver discretamente, afastado dos holofotes. Não porque desprezasse o mundo, mas porque sabia que a integridade não se negocia.
Hoje, quando olhamos para o cenário político, marcado por escândalos, por egos inflamados e pela sensação de que tudo tem um preço, Ramalho Eanes surge como um anacronismo — um homem que não se vendeu. E, talvez por isso, é tão importante lembrar-lhe o nome. Porque ele representa o que gostaríamos de ver mais vezes: uma liderança que não precisa de gritar para se fazer ouvir, que não precisa de conquistar para servir.
Eanes não é só um homem do passado. É um exemplo de que é possível ser honesto em qualquer época. O seu silêncio, hoje, grita mais alto do que muitos discursos. Num mundo cheio de ruído, isso é raro. Num país que tantas vezes se esquece dos seus heróis, isso é precioso.
Se Portugal é hoje uma democracia consolidada, deve-o, em parte, a ele. E nós, que tantas vezes tropeçamos na ingratidão, devemos aprender a dizer o que é justo enquanto as figuras que nos marcam ainda cá estão. Não sei o que pensa Eanes quando vê o país que ajudou a construir. Mas sei que, para muitos de nós, ele será sempre um farol. E faróis não precisam de reconhecimento. Apenas brilham, contra o vento e as marés.
Hoje, ao pensar nele, deixo um desejo: que nunca deixemos de procurar na nossa vida pública aqueles que, como Eanes, não se deixam dobrar. Mesmo que sejam poucos, esses poucos serão sempre suficientes. Porque a decência, tal como a luz de um farol, é suficiente para iluminar a escuridão.