A academia portuguesa apresenta um conjunto de problemas que têm sido cada vez mais abordados no espaço mediático, e que urge resolver. Em certa medida, sendo o reflexo da sociedade portuguesa, a academia apresenta fenómenos que são comuns a outras organizações e áreas de atividade. Contudo, a sua natureza relativamente oclusa e dogmática contribui para a criação de contextos propensos aos fenómenos de abuso moral e sexual, endogamia, clientelismo e produção científica massificada e predatória que têm vindo a ser oportunamente denunciados e criticados. Em particular, as fortes relações de poder e de subserviência existentes entre diferentes níveis da hierarquia, concorrem para a inibição da denúncia bem como para o silenciamento e ostracização dos queixosos. Sustentadas na autonomia institucional, as diferentes Universidades e Institutos Politécnicos têm adotado, de forma casuística, medidas muito ténues para a prevenção deste tipo de problemas, faltando uma adequada sistematização, articulação e disseminação. Veja-se o caso recente da Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa onde 10% dos docentes foram denunciados por assédio e discriminação, após abertura de um canal específico para receção de denúncias.

Para além dos fenómenos de abuso moral e sexual, importa trazer à discussão outro fenómeno igualmente gravoso que se prende com o sistema de seleção de docentes, e com estes em tudo relacionado. O processo de recrutamento tem vindo a ser marcado por uma lógica clientelar e nepotista, sendo que em diversos casos existe uma “fotografia” muito precisa do(s) candidatos(s) que deverão vencer os concursos. Isto significa que muitos destes processos parecem estar viciados à partida – sendo beneficiados os “candidatos” que apresentam relações de proximidade ou subordinação face aos elementos do júri ou à organização recrutadora.

Na prática existem duas formas para que o processo de recrutamento possa ser condicionado:

  • “Desenhar” os critérios de avaliação que constam do Edital do concurso à medida do perfil do “candidato”;
  • Constituir o júri do concurso de forma seletiva mediante a inclusão de elementos que possuam uma relação de interdependência com a instituição. O facto do orientador de doutoramento do “candidato”, em muitos casos, integrar o próprio júri reforça este conflito de interesses.

Uma vez que compete à Instituição definir a composição do júri que aprecia o mérito curricular dos candidatos, os níveis de endogamia académica acentuam-se. A endogamia é definida pela tendência para a contratação de professores doutorados pela mesma instituição que lhes atribuiu o grau.  Um relatório publicado recentemente pela Direção-Geral de Estatísticas da Educação e Ciência revela que o Ensino Superior Português continua a ser dominado por uma forte cultura endogâmica. Existem várias Universidades onde mais de 70% do seu quadro docente de carreira realizou doutoramento na própria instituição. Em algumas Faculdades estes valores de endogamia atingem os 99%.

Ao invés de se valorizar a meritocracia, privilegia-se a obediência profissional, o que interfere gravemente com a criatividade, liberdade e sentido crítico das instituições. A contratação de ex-alunos cujo mérito, não poucas vezes, é questionável, contribui ao longo do tempo para a manutenção dos centros de poder e do status quo reinante. Existe evidência científica que associa as atividades de investigação de académicos endogâmicos a um menor grau de inovação e de transformação da nossa sociedade. Este pode ser mais um fator explicativo para a relativa ineficiência do ensino superior português em múltiplos rankings e métricas internacionais.

Pela preservação da dignidade da academia portuguesa, e do seu relevante papel pluridimensional na sociedade, urge considerar a endogamia académica como um eixo prioritário de intervenção no quadro da necessária e urgente reforma do Ensino Superior Português.

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