Não foi muito noticiado porque não era uma declaração, ou entrevista, ou encontro com um primeiro-ministro europeu do “nosso” Costa, nem detalhes sobre um dos pacotes de milhões com que somos periodicamente brindados, ou sequer uma nova Directiva acrescentando mais um aperfeiçoamento à pirâmide legislativa que atropela competências de Governos, Parlamentos e burocracias nacionais.
O Conselho Europeu adoptou o Pacto da UE em matéria de Migração e Asilo em 14 de maio de 2024. O assunto vinha sendo negociado desde 2023 entre os governos, o “Parlamento” e a nebulosa de instituições e pessoas cuja missão é limar arestas nas reservas que o país A ou B possam ter em relação a isto e àquilo, e chegou-se finalmente a um resultado.
Ou não chegou, porque a notícia, de agora, é isto: Número de países da UE a favor de restrições à imigração sobe e ameaça pacto dos 27.
Como? Então era pacífico e deixou de ser? Deixou. E como os inconvenientes sérios das portas abertas a todos não se agravaram desde Maio deste ano, importa saber o que mudou. E o que mudou foi a percepção dos resultados eleitorais, com a imparável ascensão do que a comunicação social convencionou chamar “extrema-direita” (com redactores mais imaginativos a optar por “direita radical”) na França, Bélgica, Alemanha, Áustria, sem falar naqueles países que já são governados por Belzebus de vária pinta, como a Hungria de Órban e a Itália de Meloni, ou outros ainda, como a Suécia ou a Holanda, onde paira igualmente um cheiro a enxofre.
Todavia, passa-se isto curioso: Os eleitorados começam a bater com o punho na mesa e vão entrando de cambulhada no Poder, ou próximo dele, ideias que a maior parte da comunicação social, lá e cá, execra (acertando ocasionalmente num aspecto ou noutro, o que não diminui o enviesamento sistemático). E como os partidos tradicionais da antiga direita e social-democratas começam a ver o terreno a fugir-lhes debaixo dos pés, vá de adoptarem, edulcoradas, políticas até há pouco desprezadas como desumanas, retrógradas e, para jornalistas com poucas luzes de história e entendimento, mas muitas de militância vanguardista, fascistas.
É isso que, no conjunto, explica este flic-flac à retaguarda. E é isso que ajuda a compreender como é que governos como o de Starmer (que não é da UE mas serve para este efeito porque o casaco lhe veste) ou Scholz ou Frederikson (esta da Dinamarca) estão a mudar de voz, do contratenor socialista para o baixo da direita, ao menos nesta questão.
Há uma curiosidade ainda maior: Como é que os partidos e governos de esquerda moderada estão e estarão, nesta e noutras questões, a tentar recuperar o eleitorado que lhes foge enquanto a comunicação social continua a usar figuras de estilo e classificações importadas da extrema-esquerda e da chanfradice oca do wokismo (fascismo, xenofobia, racismo, misoginia, heteropatriarcado e um longo etc.) que aplica a esmo, raramente com razão? Os leitores, tal como os eleitores, não estão a fugir?
E não apenas: Houve tempo em que a missão dela era informar, agora é formar porque alguém convenceu os jornalistas de que devem paternalmente evitar que os cidadãos pensem pela sua cabeça, que presumem pior que a deles. E isso, também na imigração, tem consequências: Podemos ver com abundância incêndios (a meu ver bem) sem preocupação de que as imagens incentivem incendiários; mas não podemos conhecer a etnia de criminosos, que é sistematicamente omitida não vá as pessoas lançarem labéus sobre o grupo étnico ou religioso ou nacional xis ou ípsilon. O que dá como resultado que cada qual se alimenta, ou se deixa alimentar, pelas suspeitas e generalizações que escolhe. Tudo sem peso, nem medida, porque as autoridades colaboram na farsa, escamoteando dados relevantes precisamente neste aspecto.
Estão então a fugir os leitores. Vão para sítios na internet e nas redes onde desconfiem menos do paleio bolorento que lhes querem enfiar e onde encontrem notícias e vídeos, umas e outros às vezes falsos mas por vezes verdadeiros, porém quase sempre filtrados pelo situacionismo da informação oficial e oficiosa, que é quase toda. E esta falta de lucidez, que aliás os jornalistas já estão a pagar caro, deve ser produto, suspeito, da formação ministrada nas escolas de jornalismo e nas universidades, hoje coio de wackos e esquerdistas, sobretudo lá fora, de declinações várias. Daí que haja o risco, no vazio do conhecimento informado da situação, de a aflição do cidadão comum se transmutar na aversão indiscriminada aos grupos sociais que sejam ostensivamente diferentes.
Resta que receio que o problema da imigração, que aliás não afecta todos os países por igual, esteja envolto numa série de equívocos.
A verdade é que, se os imigrantes viessem generalizadamente ocupar os lugares dos naturais, os sindicatos atroariam os ares com protestos. Fazem-no, mas timidamente e não para protegerem os seus associados mas porque defendem condições iguais às dos que estão para os que vêm, com o propósito de angariarem novas clientelas – como aliás os partidos de extrema-esquerda. E isto com característica ignorância e desprezo das necessidades e realidades da economia que se veem servidas com este aporte de trabalho.
E esses lugares que os imigrantes acaparam estão vagos porquê? Por uma razão simples: não há gente suficiente que os queira. Posso eu, se for burro, embirrar com o paquistanês escurinho que traz o jantar numa dessas motoretas da Glovo, mas se não for ele vou mas é para a cozinha, até porque no restaurante é mais caro e aliás também podem estar brasileiros ou bengalis a servir.
Os imigrantes vêm porque são necessários e porque a pobreza relativa da sua condição cá é ainda assim menos miserável que a que teriam nos seus países de origem.
Diz-se que boa parte dos problemas desta natureza têm origem no Estado Social, que reforma as pessoas cedo, é demasiado generoso e cego nos subsídios de doença ou nos dias de baixa ou férias pagas, limita os horários de trabalho e multiplica os amparos por baixo dos que têm ainda cortiço para trabalhar mas se ocupam na pedinchice ou são presas da droga.
Parte disso é verdade. Mas por um lado recuos no Estado Social, em democracia, são suicidários para os partidos que os proponham, salvo em casos de completa falência (como o da Argentina): e, por outro, mesmo assim as falhas no mercado de trabalho não seriam supridas porque as mulheres faz tempo que não têm filhos em quantidade suficiente, nem parece que o conjunto de apoios que penosamente têm vindo a ser concedidos para esse nobre propósito seja suficiente, para já, para dar resultados. De modo que entretanto de algum lado têm de vir os recursos de mão-de-obra. Vêm da imigração.
Há porém outro medo, mais sério. E esse é o de que vagas sucessivas de imigrantes acabem por descaracterizar o nosso e outros países e a prazo transformá-los noutra coisa qualquer que já não será a França, nem o Reino Unido, nem nada do que conhecemos como a Europa e a sua marca no mundo.
Ninguém em seu juízo achará que brasileiros, por muitos que venham, alterarão um iota na nossa identidade (tão forte, aliás, que a desdenhamos ao ponto de uma generalizada autocrítica que nações menos seguras não praticam); e muitos serão comigo os que acham que oriundos das antigas colónias devem ter, nos limites dos lugares disponíveis, acolhimento. Porque falam português e porque a retórica dos PALOPS precisa de mais conteúdo e menos treta. E isso mesmo que, a prazo, se constituam bolhas e nasçam fenómenos de genuíno racismo, e ainda que apareçam mais uns quantos Mamadous ou Joacines a expectorar tolices odientas. Às vezes há soluções que também trazem problemas, paciência.
Mas muitos dos outros, cá e em toda a parte, que são insusceptíveis de integração? Desde logo porque trazem um corpo de ideias religiosas profundamente arreigadas que não são apenas diferentes das ocidentais, são opostas em numerosos aspectos, como por exemplo em princípios axiais da civilização contemporânea como a igualdade entre sexos ou a inexistência de penas corporais infamantes. Dir-se-ia que divergências entre a ordem religiosa e a civil são a regra, não a excepção. Assim será. Com a diferença, porém, de que se no corpus dos textos sagrados estiver consagrada a indistinção entre a autoridade religiosa e a civil (a segunda, quando exista, derivando a sua legitimidade da primeira) e se os detalhes da vida mundana estiverem minuciosamente regulados, tudo embrulhado numa religião prosélita de vocação universal, então o que se está a fazer é importar potenciais, e gravíssimos, conflitos.
Este aspecto é geralmente omitido porque a liberdade de culto é ela própria uma conquista relativamente recente, que fica aparentemente ofendida se se operarem exclusões de novas entradas com fundamento em motivos religiosos. Aparentemente: porque a igualdade está na liberdade de culto dos cidadãos; não na de alienígenas, infiltrando-se em nome da nossa liberdade para, a prazo, acabarem com ela em nome da deles.
Todo este arrazoado a propósito da manifestação do Chega, que era para comentar separando a propaganda partidária e a substância; a tolice e o acerto; e o que aquilo tem de moda de pensamento importada e a necessidade.
Não é que interesse muito, afinal. Porque a chuva e o bom tempo (mais aquela que este) hoje definem-se lá longe, como se vê na notícia para a qual se remete a princípio. Nós é mais para fornecer estadistas de arribação às instâncias internacionais.
Nota editorial: Os pontos de vista expressos pelos autores dos artigos publicados nesta coluna poderão não ser subscritos na íntegra pela totalidade dos membros da Oficina da Liberdade e não refletem necessariamente uma posição da Oficina da Liberdade sobre os temas tratados. Apesar de terem uma maneira comum de ver o Estado, que querem pequeno, e o mundo, que querem livre, os membros da Oficina da Liberdade e os seus autores convidados nem sempre concordam, porém, na melhor forma de lá chegar.