Em 2004, Mark Hallerberg (Domestic Budgets in a United Europe, Cornell University Press, 2004) já estudava que os governos sustentados com maiorias simples parlamentares implicavam uma elevada concorrência e fracionamento decisório. Esse fracionamento decisório implicaria uma governação dependente de compromissos pontuais ou até mesmo de médio prazo.

Depois de assistirmos à comunicação-posição do maior partido da oposição no sentido da abstenção, com o compromisso de que não haverá mais negociações, sabemos bem o que se vai seguir – uma fase de discussão na especialidade em que os partidos, que não o do governo, vão mostrar (e demonstrar) trabalho na apresentação de propostas, que antevemos este ano superarem a marca do milhar.

O sistema de governo português assenta apenas em maiorias absolutas, e a falta das mesmas gera incerteza orçamental. Incerteza orçamental porque o orçamento proposto não é, nem vai ser, o mesmo que o aprovado.

A história orçamental portuguesa tem demonstrado que não constitui problema que o orçamento aprovado seja diferente da proposta do Governo, na medida em que a Lei de Enquadramento Orçamental é clara ao referir que há uma separação clara entre o poder legislativo (que pertence à Assembleia da República) e o poder executivo (que pertence ao Governo).

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O problema vai residir nas dúvidas que a execução orçamental vai gerar. Basta para isso percebermos que muito dificilmente as medidas propostas pelos partidos da oposição serão executadas pelo Governo, uma vez que a lei do orçamento não gera obrigações para além dos compromissos contratuais, incluindo os compromissos europeus (como o PRR ou os fundos europeus constantes do quadro plurianual).

O orçamento aprovado vai ser diferente do proposto, mas a execução vai refletir apenas o que o Governo quiser. E com isso teremos um ano de governação menos reformista, e mais de medidas curto prazo, o que não é desejável.

Neste pressuposto, há muito trabalho de bastidores e estrutural a ser feito, como seja repensar mecanismos de financiamento regional e autárquico, conjugado com construção de uma nova visão orçamental, baseada na programação plurianual, criando assim condições para que o próximo orçamento evidencie os compromissos que só são possíveis com envolvimento dos vários partidos, para além dos períodos eleitorais e das questões que ocupam as agendas partidárias de curto prazo.

Referimo-nos não só a um orçamento plurianual, mas também a criação de uma base de compromisso próprio dos governos minoritários de que Hallerberg fala, usando os três instrumentos que a lei de enquadramento orçamental nos dá: (1) programação, (2) transparência e (3) nova despesa pública. Na falta disto, o Governo encontrará no próximo ano o mesmo cenário de agora: falta de projetos comuns e o beco dos programas e agendas partidárias individuais, num orçamento a propor com aprovação incerta.

Em suma, nesta encruzilhada, a execução medidas de organização financeira sem necessidade de mandato orçamental é, indubitavelmente melhor, que um orçamento com um mandato repleto de medidas irreais e sem possibilidade ou vontade de execução. Assim sendo, as boas ideias que o Governo vai propor, serão as más ideias que a oposição aprovar e obrigar a executar. Não havendo obrigação de executar, não teremos nem as boas, nem as más ideias, apenas uma realidade orçamental sem horizonte, a não ser a longa espera do outubro seguinte… num renovado cenário de incerteza orçamental.