A União Europeia (UE) tem vindo a desenvolver um papel cada vez mais vanguardista na regulação das novas tecnologias e, em particular, daquelas que personificam o Espaço Digital.
Não sendo exceção à regra, a Inteligência Artificial (IA) tem agora um Regulamento Europeu dedicado a controlar a entrada desta tecnologia e das suas aplicações no mercado europeu, a mitigar riscos associados à sua aplicação face a direitos que, enquanto cidadãos da União, consideramos fundamentais e a promover a sua utilização como acelerador económico. Mais, este Regulamento é um exemplo da energia, dinâmica e adaptabilidade da UE ao ser pioneira na regulação de uma tecnologia que impactará a forma como vivemos, produzimos e prosperamos, resultando num claro exemplo a nível mundial.
Sendo o texto final apenas conhecido em janeiro de 2024, sabemos que do Regulamento resultará a classificação das aplicações de IA de acordo com o risco que representem. Se, por um lado, as aplicações que resultem num “risco inaceitável” serão totalmente proibidas, por outro, as aplicações consideradas de “alto risco” serão sujeitas a controlos mais rigorosos do que as de “baixo risco”, devendo as empresas avaliar os riscos que as suas aplicações de IA representam, exigindo tal avaliação competências que muitas organizações podem não ter atualmente.
Com efeito, importa destacar duas ideias fundamentais para o futuro relativamente aos potenciais resultados práticos do Regulamento Europeu acerca da IA.
O primeiro prende-se com a competitividade da UE no mercado global. Em resultado das desvirtuações das cadeias de abastecimento e da realidade bélica, assistimos à adoção de políticas neo-protecionistas que, apesar de permitirem o acesso aos mercados internacionais, privilegiam o mercado interno. A este respeito, foi clara a intenção dos governos da Alemanha, França e Itália ao apelarem à substituição do Regulamento pela adoção de uma opção de soft regulation por via da implementação de um mero código de conduta para diminuir as obrigações regulatórias das empresas, permitindo-lhes ser mais competitivas e preferenciais nos mercados internacionais. Apesar do apelo, o legislador europeu optou pela hard regulation da IA, tendo imposto proibições e sujeitado as empresas que atuem no mercado ao cumprimento de requisitos regulatórios que implicam investimento de recursos técnicos, humanos e financeiros. Resulta, assim, que o legislador europeu mantém a convicção de que o mercado europeu florescerá através da regulação e defesa dos direitos fundamentais, ao invés de uma atuação liberalizada das empresas amenizada pela adoção de critérios sectoriais meramente orientadores.
Divergindo para a importância e impacto deste Regulamento para as empresas, importa referir que no relatório CMS “Report: Grasping the Future in Digital Regulation”, onde foram inquiridos 450 juristas in-house de toda a UE e do Reino Unido, resultam várias conclusões interessantes. Dos vários domínios da regulação digital incluídos no inquérito realizado, os inquiridos consideram a regulação da IA como sendo benéfica, com 41% a antecipar oportunidades “significativas” e 53% oportunidades “moderadas“. No entanto, os inquiridos também parecem demonstrar preocupação acerca do excesso de regulação da IA. Enquanto apenas 14% consideram que a regulação da IA apresenta ameaças comerciais “significativas“, 66% julgam tais ameaças como sendo “moderadas”. Finalmente, destacamos que foram identificadas como grandes oportunidades provenientes da regulação a “melhoria da resiliência e da segurança dos sistemas tecnológicos“, que 45% dos inquiridos classificam entre as três principais oportunidades esperadas, e a capacidade acrescida de competir nos mercados digitais, sendo classificada entre as três principais por 41% dos inquiridos. Notamos, assim, um certo grau de confiança no mercado europeu proveniente da regulação da IA, talvez fruto da harmonização das regras aplicáveis aos players que recorram a aplicações de IA e do decorrente aumento da confiança dos seus utilizadores.
Aqui chegados, importa referir que com inúmeros estados em todo o Mundo a avaliarem a forma de regulação da IA, será curioso concluir se o Regulamento é tido como exemplo, alavancando a opção do legislador europeu em termos competitivos e regulatórios, ou se este constituirá um entrave comercial e que fomentará o receio da entrada no mercado da UE por parte de atores externos, reduzindo, dessa forma, a concorrência e prejudicando os utilizadores. Por nossa parte, acreditamos que este Regulamento constituirá um fator diferenciador e um aviso à navegação dos demais atores políticos internacionais.