Ouvimos, frequentemente, falar dos efeitos da interioridade e da desertificação do país nos concelhos rurais mais afastados do litoral. Que destino nos espera, enquanto português que depende de incentivos do estado para se fixar numa cidade ou vila que tem cada vez menos capacidade para oferecer uma qualidade de vida minimamente aceitável? Como ter cuidados de saúde, apoios sociais, estabilidade financeira, acesso à educação e condições para poder garantir um futuro digno aos seus filhos e a si mesmo na sua velhice?

Sim, é verdade que as vias de comunicação têm vindo a melhorar, mas será suficiente? Será suficiente pensar que, daqui a relativamente poucos anos, a população de Trás-Os-Montes, por exemplo, tenha de viver junto da A4 para assegurar essas condições mínimas de “sobrevivência”, e que as restantes zonas da região irão estar muito perto do abandono total?

As perdas que se registam neste momento já são irreparáveis. Os nossos jovens partem em busca de uma vida melhor, estando os conhecimentos da terra, a cultura, associações culturais e desportivas, a auto-suficiência alimentar, a agricultura, a natureza com as suas espécies vegetais autóctones e espécies animais, fortemente condenados a um fim trágico, por não haver ninguém a quem passar o testemunho.

As giestas, silvas, acácias são espécies em expansão. O desordenamento florestal é uma realidade. As fontes e minas de água, noutros tempos tão cobiçada, secam por falta de limpeza. Os caminhos que conduzem aos terrenos, esquecidos pelos herdeiros que deixaram de os visitar, desaparecem. O valor do património é tão baixo, que para muitos, é preferível abandonar, do que estar a ter trabalho e despesa em limpar e preservar.

PUB • CONTINUE A LER A SEGUIR

Calam-se as vozes, deixa de haver histórias, quebram-se ligações e o amor pela terra Natal desvanece. Dolorosamente se escuta com frequência nos sussurros tristes dos aldeões: “Só vindo um fogo para limpar tudo”.

É devastador ver vazios no verão os campos da bola que verteram os seus desportistas para a esplanada mais próxima, novo palco de uma geração sedentária, refém da tecnologia, que neste momento ainda se digna a visitar os seus familiares mais velhos que teimam em resistir à evidente “implosão das tradições familiares”.

Com o rápido envelhecimento das populações permanentes e acelerada redução da taxa de natalidade, como vemos o ensino no interior e qual é o papel das escolas na luta, impotente, de fixar jovens?

Qual o estado da educação no interior?

Como combater o estigma da decisão de ter uma vida simples e humilde?

Como assentar, literalmente, os pés na terra?

Em capitais de distrito, como Vila Real e Bragança, por exemplo, o fenómeno da interioridade já se sente de várias formas.

Concretizando com um exemplo muito palpável, verifique-se o concelho de Vinhais, distrito de Bragança. Entre dois mil e um e dois mil e vinte e um, de acordo com os censos realizados, observou-se um decréscimo na população de cerca de 3000 habitantes.

Esta diminuição teve um enorme impacto no ensino. A cada ano que passa, a redução do número de alunos corresponde, em média, à perda de uma turma. Os que ficam vêem as suas oportunidades muito limitadas: a nível académico, um reduzido número de turmas implica pouca oferta de opções de disciplinas; acabam todos por ser obrigados a escolher as mesmas, independentemente de gostos ou aspirações individuais.

No ensino secundário, a situação agrava-se no currículo dito “regular”. Os jovens apenas podem optar entre os cursos de Ciências e Tecnologias ou Línguas e Humanidades, qualquer outra opção implica a saída do concelho, sem que haja oferta de transportes públicos para as deslocações.

Outro efeito da diminuição do número de alunos olhando, agora, para a cidade de Vila Real, é a competição pouco saudável, entre escolas, para conseguirem cativar o maior número possível de alunos. É tempo de criar parcerias e unir esforços para minimizar o esvaziamento que verificamos todos os anos, de jovens que vão em busca da sua formação e acabam por não voltar. Provavelmente o primeiro passo, será uma real tomada de consciência de que os agentes de educação e autarcas devem estabelecer prioridades que se centrem no bem estar do aluno e na criação de condições para se enraizarem e valorizarem as suas regiões. Estamos a perder para a aldeia global, que não respeita fronteiras.

Em busca de soluções para ultrapassar estes problemas, são várias as escolas que vão realizando projetos, podendo vir a revelar-se muito relevante uma aposta nos cursos profissionais.

A sociedade precisa, urgentemente de mudar a forma como vê os cursos profissionais, afastando de uma vez por todas a névoa que vai transmitindo e coloca sobre estes. A tutela precisa implementar urgentemente medidas que conduzam a uma valorização dos cursos profissionais, tornando-os em ferramentas fundamentais para o renascer de cursos técnicos médios que formem muitos dos nossos alunos que continuam a tentar concluir o ensino obrigatório e ingressar o mundo de trabalho.

Porque não fazer esse ingresso com um conjunto de competências técnicas necessárias ao exercício profissional?

Porque não ajudar os nossos alunos a construir uma identidade pessoal, social e cultural assente na sua formação técnica?

É com muito orgulho que vejo a dedicação dos meus colegas, responsáveis pela organização dos cursos profissionais na Escola Secundária Camilo Castelo Branco, a que pertenço. Os resultados obtidos têm sido incríveis e a integração dos alunos nas empresas locais tem sido feita com muito sucesso. O reconhecimento do profissionalismo com que os nossos alunos saem, por parte dos empregadores que os acolhem para a realização de estágios, tem sido muito gratificante. As competências sociais, científicas e profissionais apresentadas têm sido uma evidência da dedicação destes alunos que, de uma forma responsável, se sentem reconhecidos pelo seu esforço e devoção a uma formação que lhes permitirá ingressar no mercado de trabalho na zona em que vivem e com a qual se identificam.

Apesar de haver ainda muito para fazer, os alunos das escolas de Vila Real ainda vão tendo a sorte de ter opções de escolha. Mas, se voltarmos ao exemplo de Vinhais, atendendo a que há cada vez menos alunos, para aqueles que pretendem seguir a via profissional, a situação tornou-se muito complicada. A oferta existente até há quatro anos limitava-se a apenas um curso por ano. Todos teriam de frequentar o mesmo curso, não obstante terem ou não vocação para ele e o resultado era uma elevada percentagem de desistências, logo que os jovens atingiam os 18 anos.

Há três anos, a Comunidade Inter Municipal do Alto Trás Os Montes (CIM) lançou o projeto piloto de turmas partilhadas. Neste projeto, os alunos fazem a parte técnica do curso escolhido numa escola com oferta do curso profissional desejado (3 dias por semana) e a formação geral na escola secundária de origem (2 dias por semana). A logística envolvida neste projeto é gigantesca, porque obriga à coordenação de horários entre todas as escolas abrangidas pela CIM. Também os custos financeiros são muito elevados, porque é necessário transportar todos os dias um grande número de alunos entre várias escolas. O resultado tem sido francamente positivo, pelo que o projeto se vai manter, por enquanto.

Neste momento, os Cursos Profissionais mais procurados, são aqueles que permitem ter equivalência ao 12.º ano.

Não seria benéfico iniciar a formação destes jovens, no início do terceiro ciclo, no 7.º ano? Também existem cursos para conclusão do ensino básico (9.º ano).

Ao começarem mais cedo, não estariam a adquirir e desenvolver competências técnicas que permitissem realizar uma formação em contexto de trabalho, quando entrassem no 10.º ano, de forma mais estruturada?

Ao começarem mais cedo e estabelecerem ligações entre pares, não estariam a criar aptidões organizacionais relevantes para tornarem os cursos profissionais mais visíveis e apreciados?

Que incentivos do estado recebem as pequenas e médias empresas para acolherem estagiários na sua formação?

Não seria uma mais valia fornecer às empresas mecanismos ou compensações de forma a conseguirem remunerar os seus estagiários?

Imagine-se a motivação dos nossos jovens em serem electricistas, técnicos auxiliares de saúde, técnicos de informática, picheleiros, etc, sabendo que aos poucos já poderiam começar a ser remunerados com o seu trabalho.

Que implicações poderia ter a valorização destes jovens e das suas competências adquiridas, no combate à desertificação?

Não obstante este panorama, de desertificação do país, repare-se que a qualidade de vida conseguida nas localidades do interior, é muito superior à que se consegue nas grandes metrópoles.

No que respeita ao ensino profissional, será importante que as famílias e a sociedade tenham conhecimento de diversas realidades, o que, provavelmente, irá fazer com que este tipo de ensino seja visto com outros olhos.

Assim, saiba-se que a agência “Sistema de Antecipação de Necessidades de Qualificações” (SANQ) determina as necessidades profissionais de cada região e propõe a abertura dos cursos. Muitas vezes os alunos não se inscrevem porque não acreditam, nem percebem as vantagens desses cursos. A maioria dos alunos que tiram o Ensino Profissional fixam-se na região de residência porque, tal como a SANQ previu, há ofertas de emprego.

Também existem cada vez mais alunos do Ensino Profissional a prosseguir os estudos, que dão certificação de nível 5 e com uma taxa de empregabilidade enorme, assim como nas licenciaturas. Mais uma vez, a título de exemplo, a Universidade de Trás os Montes e Alto Douro e o Instituto Politécnico de Bragança, estão fazer um trabalho muito bom no apoio aos alunos que vêm do Ensino Profissional.

Como explanado no Jornal Oficial da União Europeia:

“O ensino e a formação profissional revelam agilidade na adaptação à evolução do mercado de trabalho. Os programas de ensino e formação profissionais proporcionam uma combinação equilibrada de competências profissionais, inclusive técnicas, bem adaptadas a todos os ciclos económicos e à evolução dos empregos e dos métodos de trabalho…”

Há muitos alunos que se matriculam todos os anos no ensino regular, com desconhecimento total da real oferta que os cursos profissionais apresentam, colocando de parte a possibilidade de realizar percursos flexíveis e modulares, adaptados às necessidades do mercado de trabalho.

Em suma, o Ensino profissional assenta numa cultura de garantia da qualidade e foi pensado no sentido de promover uma igualdade de oportunidades.

Finalizando, nem tudo na desertificação é negativo. Repare-se na grande vantagem de ter um número reduzido de alunos. Quando as turmas são pequenas e o ambiente na escola é acolhedor, tanto o corpo docente como os assistentes operacionais acabam por conhecer bem cada aluno, o que torna mais fácil a resposta às necessidades individuais.

Um bem-haja a todos os professores que com a sua dedicação e presença, constroem com os seus alunos, relações para a vida.

https://www.ccdr-n.pt/storage/app/media/uploaded-
files/Norte%20Estrutura_Primavera%20de%202023_Final.pdf