A proposta do Governo relativa ao IRS jovem promete ser um dos tópicos de aceso debate na rentrée política e na subsequente discussão do Orçamento para 2025. Ainda que os detalhes não sejam totalmente conhecidos e estejam, naturalmente, à mercê do diálogo partidário, a ideia-chave que podemos reter é a de uma taxa máxima de 15% — até ao penúltimo escalão de rendimento (que, atualmente, paga uma taxa marginal de 45%) – para jovens até aos 35 anos de idade. Confirmando-se, trata-se de uma proposta de dimensão relevante e de longa duração: caso um jovem entre no mercado de trabalho aos 23 anos, por exemplo, usufrui 12 anos deste regime.

Numa primeira nota, importa felicitar a intenção do executivo. O problema da “fuga de cérebros” é real, gravíssimo e amplamente identificado e só se poderá tentar combater, de forma eficaz, com medidas que tenham, pelo menos, a dimensão desta proposta. Concorde-se ou não – algo que deixarei para as próximas linhas – é refrescante ver um Governo que tenta enfrentar o problema com armas reais, e não com descontos no IRS durante 5 anos, bilhetes de comboio ou noites em pousadas da juventude.

No entanto, o desenho proposto pela AD está longe de ser unânime. As críticas vêm de todas as direções, com motivações distintas. Umas com mais sentido, outras com menos, e algumas sem nenhum. Começando pelas últimas, o que dizer sobre aqueles que argumentam que esta é uma medida feita e concebida para os meninos ricos, cujos pais lhes oferecem casas? Preferencialmente, diria ignorar. No entanto, da parte da minha geração há que repetir, as vezes que forem necessárias, que ganhar 2000 euros por mês não faz de nós ricos e privilegiados. Esta forma tacanha de olhar para o eventual “sucesso” da geração mais qualificada de sempre pode bem ser uma das causas mais concretas do panorama atual.

Existem, ainda assim, críticas mais sensatas e compreensíveis. A de que este modelo de IRS jovem reduz brutalmente a progressividade do imposto, que coloca em causa fundamentos de solidariedade geracional. Há, ainda, os que defendem que a medida é insuficiente, que deveria ser amplamente estendida a todas as idades. Por fim, li e ouvi uma crítica que merece ainda mais destaque – por ser indiscutivelmente verdadeira – a de que este modelo engrossa a complexidade do já por si bastante complexo sistema fiscal português.

PUB • CONTINUE A LER A SEGUIR

Com mais ou menos fundamento, as críticas que compõem o último parágrafo são sensatas e merecem debate político. Acreditando que o novo IRS jovem será eficaz na retenção de talento e na promoção do nível de vida dos mais jovens, estaremos, enquanto sociedade, dispostos a abdicar de alguma progressividade? Estaremos dispostos a criar este hiato geracional dentro das organizações? Naturalmente, as diferentes latitudes do Parlamento responderão de forma diferente.

Apesar de não faltarem ângulos de debate, gostaria de acrescentar mais um. Um ângulo que me parece ser crucial no desenho desta política e que está a ser amplamente ignorado ou esquecido pela opinião pública. O que acontecerá, caso este IRS jovem entre em vigor, aos trabalhadores no dia em que completarem 36 anos de idade? Daí o título do artigo: 35 anos, o ponto de descontinuidade.

Atente no seguinte exemplo: um jovem, de 35 anos, com um rendimento anual bruto de 45 mil euros. Com este novo modelo, pagaria taxa máxima de 15%, o que poderia (numa estimativa de envelope, uma vez que ainda não dispomos da proposta do Governo) significar um salário líquido mensal superior a 2600 euros. Ora, no dia em que cumprir 36 anos de idade passará a estar sujeito à tabela vigente – pagando uma taxa marginal de 45% – e levando a uma queda do salário líquido mensal para perto dos 2100 euros[1]. Que bela prenda de aniversário… O exemplo numérico visa apenas ilustrar o problema: o desenho da proposta conduzirá a uma descontinuidade abrupta no rendimento disponível aos 36 anos.

Seguindo esse exemplo, o que acontecerá depois? Estarão as empresas preparadas para ultimatos salariais por parte destes trabalhadores? Haverá um aumento significativo dos despedimentos de trabalhadores que rondam os 35 anos de idade? Poderemos estar simplesmente a adiar as tentações migratórias? Serão os jovens capazes de ajustar a sua estrutura de custos – em antecipação ou em reação, numa idade em que possivelmente já têm filhos e casa/ empréstimo à habitação – a tamanha descontinuidade no vencimento?

Estas não são questões menores. Se, por um lado, poderão alimentar muita investigação por parte dos economistas no pós-aprovação, deveriam servir de séria reflexão ao executivo no pré-orçamento. Ainda que a intenção seja de felicitar, o modelo parece ser para repensar.

[1] Baseado nas Tabelas de retenção na fonte para o continente – 2024, publicadas em Diário da República. Exemplo para trabalhador dependente Não casado sem dependentes. Salário de 14 meses, num mês sem subsídio de férias/natal.