Comecemos pelo início. O facto de o governo estar finalmente a querer dar resposta ao problema grave de habitação em Portugal é um sinal positivo, apesar de ser uma tomada de consciência tardia. Por isso há que deixar claro que, na sua essência, o Mais Habitação é fundamentalmente um sinal positivo – mas vamos por partes.
A primeira parte do pacote provou como ideias boas na teoria podem não ter uma aplicabilidade efetiva. As medidas de apoio às rendas e ao crédito à habitação são positivas, porque ajudam as famílias num momento crítico como aquele que atualmente vivemos, mas são obviamente insuficientes para compensar os graves problemas causados pelo fortíssimo aumento da inflação e das taxas de juro, que esmagaram o orçamento das famílias portuguesas.
Na semana passada finalmente anunciaram-se em pormenor as medidas mais polémicas, nomeadamente as que dizem respeito ao Alojamento Local, ao arrendamento coercivo e aos vistos gold. Sobre o AL: mudar mais uma vez as regras a meio do jogo é não só uma grande injustiça, como irá efetivamente criar problemas graves na vida das pessoas (por exemplo a quem colocou todas as suas poupanças num alojamento local e que poderá inclusivamente ter abandonado a sua profissão para se lançar por contra própria). Parece-me um início de uma guerra aberta exagerada. Afinal, não nos podemos esquecer de que o AL foi e é fundamental para a reabilitação das cidades. Seria mais importante ter medidas de discriminação positiva sem criar políticas de discriminação negativa, que penalizam pessoas que encontram no AL a única fonte de rendimento. O AL tem de ter regras e limites, mas deve continuar a ser dinamizado, porque vivemos num país em que a primeira fonte de receitas é o turismo.
No caso dos vistos gold a situação é igualmente incoerente: cortar com algo que funciona para atrair investidores estrangeiros (e consequentemente coloca mais imóveis no mercado), parece até paradoxal, tendo em conta que os vistos valem apenas 1% do mercado. Se o problema são outros receios como o branqueamento de capitais, então que se atue a esse nível com um maior controlo, e que os casos dúbios sejam tornados públicos. Porquê agir de forma radical, em vez de melhorar o programa? E mais uma vez as regras mudam. Como se sentem, por exemplo, os promotores portugueses e alguns estrangeiros que investiram em Portugal, que dimensionaram os seus projetos imobiliários (em termos de tipologia e preços) para compradores de vistos gold, que esperaram anos para verem os seus projetos aprovados, que começaram a construir e que agora têm essa procura eliminada? Os investidores portugueses e estrangeiros já estarão, certamente, a procurar outras paragens para investir.
Quanto à medida do arrendamento coercivo, há um jogo de empurrar responsabilidades de gestão difícil, que só demonstra um clima tenso entre o Governo e as autarquias (em particular Lisboa e Porto). A medida ainda tem um longo caminho a percorrer, e veremos se não será uma montanha a parir um rato. Do ponto de vista da constitucionalidade e operacionalidade, continua a haver dúvidas.
Basicamente este é um programa gerador de crispação com vários setores quando, na prática, o que precisamos é de mais oferta de habitação e de um clima de estabilidade. Temos um problema de escassez de habitação porque na última década se construiu menos 80% do que se construiu na década anterior. Mas temos também este problema devido a uma causa positiva que é o aumento de procura, o que é um bom problema que deveria ser respondido com medidas de incentivo e não de punição.
Muito ficou por propor neste Mais Habitação. Sim, o Porta 65 promete apoiar no arrendamento jovem, mas ficam a faltar medidas que apoiem a maior facilidade na compra de casa – em particular através da isenção/recuperação do IVA e IMT, quando se trata de habitação própria permanente – ou até abordar o tema da redução/eliminação do IMT, que é um imposto abusivo e que não faz sentido (sobretudo nos imóveis usados que pagam IMT de cada vez que são vendidos). Também é pena não existirem medidas que mostrem aos portugueses para onde vão as fontes de receitas do IMT e IMI (supostamente, deveriam ter ajudado o país a criar e a reabilitar mais imóveis).
O pacote Mais Habitação ficou aquém do esperado e do desejado. Depois de todo este processo, uma última pergunta fica por responder: estas medidas vão efetivamente trazer mais habitação para o mercado (para resolver o problema das pessoas) e vão criar um clima de confiança na economia? Cada um que tire a sua conclusão.