A solenidade de Nossa Senhora da Conceição, festejada no dia 8 de Dezembro, é uma das principais festas marianas do calendário nacional, por ser Maria nossa Rainha e Padroeira. Esta devoção está tão enraizada no nosso país que é difícil encontrar uma terra onde não haja uma igreja, capela ou ermida, dedicada a Nossa Senhora.

A celebração litúrgica do dia 8 de Dezembro evoca o dogma da Imaculada Conceição da Mãe de Jesus. José Rodrigues dos Santos, por ocasião da publicação de um seu romance, disse que, como os Evangelhos afirmam que Jesus Cristo teve vários irmãos, a sua mãe teve … várias imaculadas conceições!!!

O jornalista, cujos conhecimentos teológicos são, pelos vistos, muito limitados, ignora que o termo irmão era, na altura, também extensivo aos primos direitos ou, como também se diz, coirmãos. Que Maria não teve, para além de Jesus, outros filhos, prova-se pelo facto de este, na hora da sua morte, a ter entregue ao discípulo João, que não era seu parente, precisamente porque não tinha irmãos a quem pudesse confiar a Mãe.

O romancista também desconhece que a Imaculada Conceição não se refere ao facto de Nossa Senhora ter sido mãe, nem à sua perpétua virgindade, mas ao momento em que ela própria foi concebida por seus pais, Santa Ana e São Joaquim. Embora a concepção de Maria tenha sido natural, foi preservada da mancha do pecado original, atendendo à sua futura condição de Mãe de Deus e, por isso, é imaculada. Como esta prerrogativa mariana parecia colidir com outras verdades de fé, nomeadamente a universalidade da redenção de Cristo e a necessidade do Baptismo para alcançar a salvação, a sua formulação teológica foi tardia: só aconteceu em 1854, para grande júbilo de toda a cristandade. Quatro anos depois, este dogma mariano foi confirmado em Lourdes, onde Maria, ao dizer que é a Imaculada Conceição, confirmou não só a sua concepção sem pecado original, mas também que nunca pecou na sua vida terrena.

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Portugal foi precursor nesta devoção mariana: o instituto religioso do Imaculado Conceição de Maria, ou Concepcionistas, foi fundado pela nossa Santa Beatriz da Silva. Também na Universidade de Coimbra se prestava culto à Imaculada Conceição: as autoridades docentes obrigavam, como condição prévia à obtenção de um grau académico, o compromisso de defender que Maria foi preservada do pecado original, muito antes de que tal fosse exigido, pela suprema autoridade eclesial, a todos os cristãos.

Numa sociedade secularizada como a nossa, talvez pareça irrelevante a Imaculada Conceição de Maria, mas não assim o seu significado em relação à dignidade e liberdade da mulher cristã. Nestes tempos de decadência civilizacional, o feminismo radical diz querer libertar a mulher de tudo, até da sua condição feminina e da sua mais bela expressão, que é a maternidade, outorgando-lhe o ‘direito’ de mudar de sexo e de ser, pelo aborto, assassina do seu próprio filho. Nos regimes totalitários opostos, a mulher é reduzida a uma condição inferior, como em alguns países islâmicos, onde não se lhe reconhece sequer a liberdade de estudar, ou de trajar como melhor entender.

É significativo que, há dois mil anos atrás, uma jovem rapariga de Nazaré tenha sido contactada pelo Anjo Gabriel, que lhe propôs ser mãe do Messias. É muito surpreendente que uma criatura possa dar à luz o seu próprio Criador, gerando no seu seio a natureza humana que, em Jesus de Nazaré, se uniu à natureza divina: por esta sua dupla condição Cristo é, simultaneamente, verdadeiro Deus e homem verdadeiro. Mas não é menos relevante que, para este efeito, Deus tenha considerado que aquela jovem de Nazaré era suficiente para decidir a questão de que dependia a salvação da humanidade. De facto, sendo ainda muito nova, seria razoável que o consentimento não fosse pedido a ela, mas ao seu pai, pois as filhas menores, ou ainda na dependência paterna, não podiam, segundo os usos e costumes da época, tomar por si próprias decisões de grande responsabilidade.

Mesmo que Deus entendesse que não tinha por que pedir licença ao pai de Maria, teria sido exigível, de acordo com as leis e praxes de então, que tivesse solicitado o consentimento de José, seu marido, com quem já estava oficialmente casada, embora ainda não vivessem juntos. Segundo a tradição de então, a mulher passava da dependência paterna para a do marido, estando sempre sob a autoridade e poder de algum varão.

Ora Deus, ao considerar que aquela jovem donzela de Nazaré, não obstante a sua juventude e condição de casada, era a sua bastante interlocutora em relação a uma decisão tão transcendente, deu um exemplo absolutamente revolucionário do que é a dignidade feminina. Ao contrário do que então era costume e o foi durante séculos, sendo-o ainda agora em alguns países e religiões, Deus acredita verdadeiramente, segundo a fé cristã, na igual natureza e dignidade das duas variantes do ser humano – homem e mulher – e, por isso, não aceita que a mulher seja inferior ao homem, seja ele pai ou marido. A mulher cristã é, pois, a única dona e senhora do seu destino e, como tal, é a ela que compete decidir a sua vida, sem interferências masculinas.

À mulher deve ser reconhecida esta liberdade, que não é um fim, mas um meio para a realização pessoal. Com efeito, não fomos feitos para sermos livres, mas fomos feitos livres para sermos felizes, através de um livre compromisso de amor. Por isso, a independente e autónoma Maria, que a ninguém consulta, nem pede licença, para aceitar uma tão transcendente proposta divina, é a mesma mulher que aceita a autoridade de José, quando este, advertido da perseguição de Herodes ao recém-nascido Rei dos Judeus, decide partir para o exílio no Egipto.

Esta sua obediência não é, ao contrário do que uma visão superficial poderia levar a crer, um acto submisso a uma autoritária decisão machista, mas um exercício da liberdade do amor, porque, quando se obedece a quem se ama, é-se verdadeiramente livre. Desta liberdade, que é independência e autonomia, mas também obediência e entrega, é exemplo o próprio Cristo: “Se o Pai me ama, é porque dou a minha vida para outra vez a assumir. Ninguém ma tira, mas eu por mim mesmo a dou, porque tenho poder de a dar e tenho poder de a reassumir” (Jo 10, 17-18).

Nenhuma criatura humana se compara a Maria, a Imaculada Conceição, e só às mulheres foi dada a incrível possibilidade da maternidade, tanto física, gerando filhos para o mundo, como espiritual, pela consagração a Deus no serviço aos irmãos, que é também uma autêntica maternidade. Não é em vão que Santa Teresa de Calcutá era Madre, ou seja, mãe, assumindo, em relação aos mais pobres dos pobres, uma condição análoga à que Maria adquiriu, para toda a humanidade, aos pés da Cruz de Jesus.

Como Deus é justo, depois de ter exaltado tanto a sua Mãe e, nela, todas as mulheres, aparentemente entendeu compensar a manifesta inferioridade masculina, reservando para os homens o sacerdócio ministerial, não por discriminação machista, mas tão-só como prémio de consolação.