A agenda da Autoridade da Concorrência (AdC), em questões atinentes ao mercado de trabalho, pautava pela timidez até ao presente ano – com uma singela primeira intervenção, em 2020, pela qual a AdC impos uma medida cautelar à Liga Portuguesa de Futebol que suspendeu deliberação concertada de impedir contratação de futebolistas; seguida da publicação de um Relatório e um Guia de Boas Práticas para prevenção de acordos de não-contratação de trabalhadores, em 2021.

Todavia, o enfoque nessa política de enforcement emergiu, e esperam-se desenvolvimentos para breve!

Façamos um exercício de memória ao recordar, desde logo, as Prioridades de Política de Concorrência para 2024 da AdC, publicadas no término do precedente ano (2023), por exortarem a premência de iniciativas internas de sensibilização e promoção da concorrência, “focadas nomeadamente nos mercados de trabalho”.

A isso se seguiu, logo no primeiro mês de 2024, a decisão da AdC de sancionar duas multinacionais da área da consultoria tecnológica por práticas anticoncorrenciais no mercado laboral. Às empresas envolvidas foram aplicadas coimas de €1.323.000 e €2.481.000.

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No âmbito do mesmo processo, decorria o mês de abril, a AdC sanciona uma terceira empresa, de grande dimensão da área da consultoria tecnológica, com uma coima de 278 mil euros. Sublinhe-se que estas decisões sancionatórias são designadas por “resultado expressivo” pelo próprio Presidente da AdC, em maio, aquando da Conferência organizada pelo Círculo de Advogados Portugueses de Concorrência.

Impera relembrar que, à data, a Comissão Europeia publica um novo policy brief defendendo que os acordos de fixação de salários, bem como os acordos de não contratação têm, pela sua natureza, o potencial de restringir a concorrência. O que nos incita, portanto, a ousar interpretar como uma evidência do seu provável tratamento como “restrições por objeto”, para além do manifesto sinal de que a Comissão está pronta para usar os seus poderes com o propósito de lidar diretamente com práticas restritivas da concorrência nos mercados laborais.

É  este clima de intensificação de relevância da defesa da concorrência nos mercados de trabalho que, no mês de maio, na Conferência Anual da Rede Internacional da Concorrência, o Presidente da AdC afirma: “The AdC has other investigations underway, some of which based on leniency applications”. Ainda no mesmo mês, no cômputo do processo referido anteriormente, a AdC emitiu uma Nota de Ilicitude (acusação) dirigida a duas empresas e à sociedade mãe, concluindo pela existência de uma possibilidade razoável de vir a ser proferida uma decisão sancionatória por celebração de acordos de não-contratação de trabalhadores com empresas concorrentes.

É neste notório “warning shot” cenário, em que as linhas vermelhas estão claramente traçadas pela AdC, no que às interações nos mercados laborais diz respeito, que vislumbramos uma posição muito restritiva e pouco tolerante quanto aos acordos de fixação de salários e de não contratação, deixando um espetro muito limitado para eventuais justificações.

Não resta margem para incertezas! Há uma indicação clara de que se trata de acordos que tendencialmente serão apreciados como restrições graves à concorrência. E, importa aqui assinalar, os conceitos latos de acordos e de práticas concertadas relevantes para estes efeitos permitem que um leque muito extenso de comportamentos possa vir a subsumir-se a esta posição estrita (incluindo, desde acordos escritos a trocas de informações comercialmente sensíveis, ou até mesmo, sublinhe-se, a entendimentos orais).

Atendendo a este posicionamento da Autoridade da Concorrência, à afirmação clara do seu Presidente de que há processos sob investigação relacionados com este tipo de condutas, e às sanções potencialmente muito elevadas a que as empresas (e, em Portugal, os respetivos gestores) se encontram potencialmente sujeitos em caso de infração, revela-se premente que as empresas conheçam o enquadramento legal, adotando as medidas necessárias, por forma a mitigar quaisquer riscos contraordenacionais à luz do direito da concorrência europeu e nacional.