Um dos temas quentes dos últimos dias da discussão do Orçamento de Estado para 2025 foi a reversão do corte de 5% no salário dos políticos. Este corte já vinha do tempo de Sócrates, ainda antes da chegada oficial da Troika, e era o único corte salarial que persistia desde essa altura.
Passaram três governos de António Costa, um deles com maioria absoluta. Não houve coragem política para reverter estes cortes que já não se justificavam. Porquê? Provavelmente por medo de que alguém fizesse aquilo que o Chega fez: usar da demagogia para fazer parecer que o Governo está a legislar em causa própria, e que na realidade só quer aumentar o seu próprio rendimento.
Deste ponto de vista tenho de dar os parabéns ao Governo da AD por ter tido a coragem de fazer sem medo o que o PS não fez em mais de 8 anos. Temos de reconhecer que este não é um enquadramento político fácil, nem uma Assembleia da República fácil. O facto de esta medida surgir agora, quando é difícil, mostra bem que o CDS-PP e o PSD não estão focados só no que é facil e popular, mas que têm um rumo ideológico definido e convicções fortes.
Depois de 8 anos de “navegação à vista” em que nenhum tema realmente importante foi tratado com seriedade, é uma lufada de ar fresco ver que há quem seja verdadeiro aos seus princípios, mesmo depois de chegar ao poder. Mas há outro tema que acho importante discutir e que não vejo ser falado. Não fará sentido aumentar realmente o salário dos políticos?
O Chega diz que não, diz até que os políticos deviam receber menos e alguns acham até que não deviam receber nada. Isto seria claramente andar para trás na representatividade e pluralidade política. Desde pelo menos o século XIV que em Portugal os representantes eleitos do povo foram pagos primeiro pelos concelhos e depois pelo Estado para garantir a sua independência.
Sem salários pagos pelo Estado aos políticos, eles teriam de encontrar outras formas de se custear. Das duas uma, ou só os muito ricos, que não precisam de salário, poderiam ter acesso ao exercício da política; ou aqueles que quisessem ser políticos sem serem ricos, teriam de procurar empresas ou pessoas muito ricas que os patrocinassem. No primeiro caso, estamos a vetar o acesso da maior parte da população aos cargos de decisão e poder, e no segundo, a pôr em causa a independência de quem os ocupa.
Não me parece ser difícil perceber o porquê de as propostas do Chega nesta matéria não serem mais do que pura demagogia que em nada serve o país. O Chega e os seus dirigentes têm feito todos os esforços para se assemelhar à extrema-esquerda na irresponsabilidade das suas propostas.
A Iniciativa Liberal e, suspeito, a maioria dos partidos com assento parlamentar acharão, ou pelo menos dirão, que os salários estão suficientemente adequados à realidade Portuguesa. Eu não tenho a certeza.
Para mim não é obvio que os salários dos políticos devam ser aumentados, mas como já disse é-me muito claro que o tema deve ser discutido e procurarei explicar porquê.
É verdade que os políticos não recebem mal em comparação com o panorama nacional – um deputado receberá, sem cortes, sensivelmente 4.000€ mensais brutos, e o salário de um ministro ronda os 5.300€, enquanto o salário médio nacional pouco ultrapassa os 1.500€ mensais brutos – mas também é verdade que advogados, gestores, juristas, administradores, entre outros de muita qualidade, e que interessa atrair para a gestão da coisa pública, ganham bem mais do que isso.
Segundo estudos da Michael Page, em Lisboa, um advogado de uma firma de topo pode ganhar mais de 10.000€ brutos por mês; um director geral na área da indústria pode ganhar praticamente o mesmo; e o salário de um CEO de uma empresa da área da energia pode chegar aos 15.000€ brutos mensais.
Aos salários dos políticos não acresci o valor das despesas de representação, que no caso dos deputados eleva o salário mensal bruto para aproximadamente 4.500€, e de um ministro para quase 7.500€. Mas também é verdade que os salários que a Michael Page apresenta não contabilizam bónus nem prémios de produtividade que, em muitas das profissões que listei, representa uma boa parte, quando não a maior parte, da remuneração anual.
Posto isto, é obvio que quem se envolve na política não o deve fazer por ambições financeiras, e é também por demais evidente que a nobre vontade de servir a pátria e os concidadãos deve estar acima das ambições pessoais de riqueza. No entanto, sabemos que alguém com a capacidade de liderar e de fazer avançar o nosso país, tem acesso, no sector privado, a posições com uma remuneração bem superior. Isto tem de ser tido em conta.
Há ainda outros factores a ter em conta ao aceitar entrar na vida pública. A exposição e o escrutínio mediático que passarão a ter têm um grande peso na decisão. Isto é ainda mais significativo num país como Portugal, onde os julgamentos em praça pública se fazem à vista de todos, com conivência dos media e dos partidos, e onde as absolvições passam despercebidas.
Esta realidade, de salários bem acima da média mas bem abaixo do que se pode ganhar no privado, serve bem os aparelhos dos partidos. Lugares como os de deputado são perfeitos para recompensar amizades e lealdades, sem correr o risco de ter a concorrência de quem realmente tem qualidade para os ocupar. Os incompetentes vêm estes salários como altos e atractivos, enquanto os competentes os vêm como insuficientes e dissuasores.
Na política, como com as casas, os carros ou as roupas, temos a qualidade equivalente ao que pagamos. Em Portugal queixamo-nos de ter falta de qualidade na política, talvez fosse hora de discutir a possibilidade de pagar mais para atrair quadros melhores.