Et voilá, voltamos este ano às urnas. Parece que foi ontem. As mesmas discussões. A mesma conversa de sempre: esquerda, direita, crescimento do Chega e o seu discurso popularista e ruidoso, PS a conquistar pensionistas e funcionários públicos, vá lá que temos novidades no centro-direita, com o repescar da AD mas, no final do dia, está tudo basicamente igual.

A reflexão, as discussões, os diálogos parecem todos assentar no mesmo, para nosso infortúnio: as politiquices. Quem cresce mais e porquê? Quem sairá penalizado? Quem disse o quê? Quem se contradisse? E é assim, tudo com olho no dividendo do capital político de cada coisinha que acontece.

E, nós, povo, eleitores e contribuintes, lá vamos assistindo ao que nos chega, na televisão, redes sociais, fazendo a nossa própria reflexão sobre o nosso sentido de voto. No fundo, meros ouvintes, sentados na plateia a ver o espetáculo político, que se desenreda há anos sem argumento, sem ideias políticas, sem rumo ou estratégia. Olhamos e vemos as politiquices e lá nos vamos entretendo, sem nos apercebermos, porém, que aquele palco também é nosso. Sempre com a ilusão de que estamos agarrados a esta gente, que somos seus dependentes, que o que quer que aconteça amanhã, é resultado das ações ou omissões de outros que não nós, os vulgarmente conhecidos “eles”. Talvez seja o caminho mais fácil, acreditar que está (só) nas mãos dos outros e que nada podemos fazer para inverter o rumo das coisas.

Mas não é assim. Não tem de ser assim. E talvez seja esse o nosso problema crónico de há muitos anos. Não ajuda, obviamente, ter governos cuja ação política se centra na aparência do “bom político” e, precisamente, em fazer-nos acreditar que o Estado é o que “eles” fazem dele. Menos quando corre mal. Aí a culpa é dos outros, mas nunca de nós, nem nunca “eles” diriam tal coisa, porque faz parte do jogo político não o dizer. Os outros, neste caso, são os “outros” lá de fora ou os “outros eles” cá de dentro. E quanto a nós? Nunca nos culparão. Nunca nos dirão que podemos fazer mais. Se o dissessem, perdiam o jogo. E ninguém gosta de perder.

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Mas a verdade é que está também em nós a responsabilidade de fazer do sítio onde vivemos e da comunidade onde nos integramos um sítio melhor, a todos os níveis.

Mas por onde começar?

Se pensarmos bem, podemos ter ação política em praticamente todos os sectores da nossa sociedade. Podemos até fazer o exercício de nos guiarmos pelos vários pelouros governamentais com referência aos ministérios de sempre. Educação, saúde, segurança social e emprego, finanças, economia, ambiente, agricultura, entre outros. Que fique claro: não se pretende aqui dar uma lição de moral e civismo, até porque o autor não tem para isso a necessária legitimidade. Antes se pretende demonstrar, com alguns exemplos concretos, que a ação política não se esgota “neles” e que as reformas que precisamos começam e acabam em cada um de nós.

Na educação, podemos começar pelos nossos filhos, na chamada “socialização primária”.  Li recentemente um livro sobre o modelo de educação nórdico. Não o modelo público e no contexto da socialização e educação secundárias, mas o modelo privado e familiar. Os nórdicos têm um modelo de educação direcionado para a autonomia e independência das crianças, a nível físico, psicológico e emocional. Neste modelo, as crianças são chamadas a decidir por elas próprias desde muito cedo. E aqui treina-se, sobretudo, o córtex pré-frontal, ou seja, a capacidade de decidir com ponderação, em função do resultado mediato e invisível por contraposição ao resultado imediato e ao prazer momentâneo. Com este modelo, os nórdicos conseguem “produzir” adultos independentes, desenrascados, produtivos e com uma enorme sensibilidade pelo conceito de bem comum.

Na segurança social, temos a obrigação de zelar por sistema de previdência. Uma sociedade justa e funcional consegue-se através de um sistema de previdência justo e funcional. Não temos, hoje, esse sistema. O que temos hoje é mau, injusto e disfuncional, para não falar da sua insustentabilidade a médio-longo prazo. E disto “eles” são, também, culpados. Ao nível das reformas, este sistema devia ser voluntário. Ou seja, a parte da contribuição que assume a função de PPR, não nos devia ser imposta, mas antes oferecida como uma possibilidade. Já a outra parte, que visa munir o sistema de capacidade de resposta junto daqueles que estão, por alguma razão, incapacitados de produzir, deve ser-nos imposta. Mas isso não demite aqueles que gerem esse sistema da responsabilidade de o fiscalizar e, aqui, não apenas do lado de quem contribui, mas fundamentalmente do lado de quem dele beneficia. Sabemos que isto é uma das maiores fragilidades do nosso sistema. Ora, é também aqui que a nossa ação política individual pode fazer a diferença. O subsídio de desemprego ou as baixas por incapacidade não são um direito nem um benefício. São o nosso último recurso. E devemos saber que ao recorrermos a ele estamos a tirar capacidade de resposta ao Estado para outras situações (também das futuras gerações e de outros sectores da sociedade, como a educação e a saúde – está tudo ligado). É evidente que há um problema crónica de confiança no sistema. O que pensamos é que se não formos nós a ir buscar aquele ou o outro subsídio, outros irão e que provavelmente não contribuíram tanto quanto nós. E este mindset é compreensível. Mas acredito que somos melhores do que isto. E acredito também que se a mudança não começar em nós, através da ação política individual, não começa de lado nenhum. “Eles”, pelo menos os que cá têm andado, não têm mostrado qualquer vontade de reformar estruturalmente o que quer que seja. Pois bem, sejamos nós a fazê-lo, esperando que “Eles” venham depois a reboque.

Nas finanças e na economia, impõe-se uma reflexão séria sobre o fenómeno da economia paralela, isto é, todas as transações (vendas, serviços, etc.) que acontecem sem gerar qualquer receita para o Estado, seja ao nível do valor acrescentado, seja ao nível dos rendimentos. Segundo um estudo recente da Faculdade de Economia do Porto, este fenómeno já representa quase 35% do PIB. Perguntamos: quem é que perde com isto? Todos nós, invariavelmente. Também aqui é evidente a causa disto: há uma desconfiança profunda naqueles que gerem o nosso dinheiro e, por isso, preferimos ficar com mais liquidez do que abdicar dessa liquidez para entregar a quem não está a fazer o que devia ser feito. Mas imaginemos o resultado se todos pensássemos assim. Mais uma vez, somos melhores do isto. Podemos fazer melhor. A isso pode ajudar pensar que uma transação não registada e um tributo não pago pode representar mais dois de atraso na remoção de um tumor maligno a qualquer um de nós, mas principalmente a quem não tem condições para recorrer ao privado.

O mesmo exercício pode ser replicado para a saúde e ambiente, entre outros sectores, obviamente com as necessárias adaptações.

Por fim, há ainda o contributo óbvio: votar. É aqui que escolhemos quem “deles” nos governará. E se sabemos que podemos fazer muito por nós próprios, também sabemos que há muito que depende “deles”. Votar em branco ou abster-nos não é uma escolha nem um caminho. É um ato de protesto, uma greve àquilo que nos compete fazer. Não sabemos em quem votar? São todos maus? Pois bem, vote-se no menos mau. Mas a bola tem de rolar.