A avenida do neurodesenvolvimento infantil é um percurso longo, dinâmico, progressivo, que se move no sentido da evolução, da aquisição de competências nos diferentes domínios – motor, cognitivo, social, emocional, de comunicação. É um autêntico processo mágico, no qual o cérebro, ator principal deste teatro, aumenta exponencialmente o número das células – neurónios, que se unem, formando circuitos, circuitos estes responsáveis por diferentes funções – falar, interagir, pensar, brincar. Sublinho uma janela de tempo fundamental – os três primeiros anos de vida da criança. Nesse período, há uma explosão na formação de sinapses, ou seja, da comunicação entre neurónios. Qualquer desvio, atraso, dissociação ou regressão do trajeto de neurodesenvolvimento nos seus diferentes domínios, deve ser detetado precocemente, para que haja uma intervenção o mais precoce possível. Ora a questão do diagnóstico precoce versus intervenção precoce “bate à porta” do conceito de plasticidade cerebral. É fantástica a capacidade que o cérebro tem de se organizar e formar novos circuitos responsáveis pelas mais diversas funções. Intervir precocemente significa maximizar o potencial da criança, implicando um trabalho em equipa, com terapeutas, médicos, professores e pais.

O processo de neurodesenvolvimento da criança monitoriza-se em idades-chave e qualquer sinal de alarme é ativamente investigado, avaliado e alvo de orientação especializada.  O papel de um pediatra de neurodesenvolvimento é semelhante ao de um detetive, investigando detalhes e validando sinais de alarme – red flags. As pistas vão-se ligando e no fim da investigação chegamos a um quadro clínico pintado com várias tonalidades, que ilumina o plano de intervenção.  Neste trabalho de detetive, validar a informação partilhada pelos pais deve ser regra de ouro!

A leitura do perfil da criança tem em conta o chamado modelo ecológico – a criança integrada numa família, numa comunidade, numa sociedade. O seu perfil comportamental é fruto da interação entre o património genético e o ecossistema, sendo o ambiente um escultor do padrão genético.

As perturbações de neurodesenvolvimento apresentam uma base neurobiológica, de carácter prolongado, com impacto no funcionamento da criança nos diferentes contextos de vida. Muito se fala de hiperatividade, de autismo, de dislexia, infelizmente muitas vezes com informação distorcida, mitos e inverdades. Não! Não se medica muito! Não! Não se diagnostica muito! Quando os pais tomam a decisão de procurar ajuda especializada, essa decisão foi pensada e baseada num impacto, há sinais que preocupam e estão a influenciar negativamente o dia-a-dia da criança. A avaliação especializada conduz muitas vezes à caracterização de um perfil de funcionamento e a um diagnóstico clínico. Diagnosticar não é atribuir “rótulos”! Errado! Os diagnósticos clínicos são guias de orientação do plano terapêutico. Quando se diagnostica asma a uma criança, ninguém fala em rotular a criança com asma! Da mesma forma, quando se diagnostica uma perturbação do espectro do autismo, ninguém deve falar em rotular a criança!

A nuvem de estigma que envolve a saúde mental em geral, incluindo os medicamentos psicotrópicos, deve ser ferozmente combatida! A inclusão implica o envolvimento de todos nós, pais, profissionais, comunidade, sociedade.

Dar voz ao neurodesenvolvimento é dar voz às crianças e famílias, é dar voz ao presente e ao futuro, é sobretudo dar voz à invisível magia do cérebro.

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