Por mais campanhas que o sistema leve a cabo para confundir a opinião pública, há uma verdade elementar que quem percebe minimamente de política compreende sem quaisquer dificuldades: o que alguns chamam de “direita radical” – e que nós designaremos aqui, para simplificar, de “nova direita” – foi a grande vencedora das eleições europeias. A simples constatação de que ela tem hoje muito mais poder e influência no Parlamento Europeu – e, logo, na União Europeia – do que alguma vez teve permite suportar o argumento.

A nossa tese – a de que vencemos as eleições europeias – assenta na articulação de três passos: (1) inverter a leitura dos resultados das eleições europeias no sentido de repor e ordenar os factos na sua devida relação de importância; (2) diagnosticar o fracasso dos partidos políticos tradicionais em constituírem respostas sistémicas credíveis aos problemas, preocupações e aspirações das populações europeias; e (3) advogar que aquilo que realmente explica o sucesso constante e crescente da “nova direita” não é, como repetem ad nauseam as nossas elites político-mediáticas, o rancor, a frustração, o ódio dos “deploráveis” – mas, pelo contrário, aquilo que é, e sempre foi, a reserva social, política e moral última de todas as populações esquecidas da História: a esperança.

É factual que a “nova direita” registou nas eleições europeias uma subida significativa da sua votação na generalidade dos Estados Membros da União Europeia, sendo que em França, Itália, Áustria e Letónia esse aumento não apenas correspondeu também a vitórias eleitorais como, no caso francês, forçou mesmo o Presidente Emmanuel Macron a convocar eleições antecipadas. Estes resultados traduziram-se, naturalmente, num aumento do número de Eurodeputados, podendo esta direita vir a ser a terceira, ou mesmo a segunda, família política no Parlamento Europeu, dependendo dos acordos e das contas que se façam (os números mudam todos os dias e os alinhamentos também). A tudo isto é preciso somar a fortíssima probabilidade de o Ressemblement National de Marine Le Pen vir a ganhar as eleições francesas, somando assim a França aos países onde a “nova direita” se encontra, direta ou indiretamente, no poder. Sozinhos ou coligados, os partidos da “nova direita” estão no poder em vários países da União: Itália, Hungria, Finlândia, Suécia e, mais recentemente, Países Baixos e Croácia, podendo ainda, em breve, entrar nos governos da Áustria e/ou Bélgica.

Daqui decorre outro argumento primordial deste artigo: o Chega faz parte desta família política europeia que venceu as eleições do passado dia 9 de junho e foi, assim, também um dos grandes vencedores do sufrágio para o Parlamento Europeu.

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Parece evidente que a leitura do resultado das eleições europeias terá de ser também europeia, e não apenas nacional. Justamente porque nenhuma avaliação desse resultado pode pretender ser séria, esclarecedora e, nesse sentido, orientadora da ação política se for desligada (a) da tendência geral verificada e (b) da relação de forças obtida.

No que respeita a (a), como já foi referido, é inegável que se verifica uma tendência de crescimento e solidificação da “nova direita”. Assim, o resultado do Chega deve ser inserido no movimento geral desta tendência, mais do que esgotado, como tem sido o caso, na estreita dimensão da politiquice nacional. À passagem de zero para dois Eurodeputados é preciso adicionar a grande vitória no contexto da tendência europeia, tendo de ser compreendido, por exemplo, à luz do que aconteceu em França.

Quanto a (b), é preciso lembrar que, em política, e sobretudo no contexto das composições parlamentares democráticas, aquilo que determina uma derrota ou uma vitória é a relação de forças que se obtém a partir dos mandatos assegurados. Desconhecendo ainda a relação de forças que se estabelecerá no próximo Parlamento Europeu, parece-nos óbvio que a força parlamentar – isto é, a capacidade de influenciar e condicionar as decisões políticas e as suas expressões legislativas – da “nova direita” é hoje muito mais decisiva do que há cinco anos. O poder negocial da “nova direita”, e portanto do Chega, aumentou, não diminuiu. Seria talvez uma das primeiras vezes na história da análise política que o aumento de poder – representativo, institucional, negocial, sociológico – é chamado de derrota. O ónus da prova, também aqui, pertence a quem vê no aumento de poder uma derrota e uma vitória na sua diminuição.

De (a) e (b) podemos ainda extrair uma outra conclusão, que também inverte (ou melhor, corrige) o sentido da leitura tradicional dos resultados das eleições europeias. E a conclusão é a do fracasso, cada vez mais indisfarçável, mais irreversível, dos partidos tradicionais enquanto instrumentos políticos de resposta aos problemas, preocupações e aspirações das populações que deviam, por missão, representar. O crescimento da “nova direita” não se deve a nenhuma súbita atração das populações por um alegado extremismo: deve-se, isso sim, a este fracasso crescente, e que pode ser dividido, mas não esgotado, em cinco categorias: (1) estagnação económica, (2) alienação política, (3) demissão cultural, (4) definhamento demográfico e (5) desaparição histórica.

A estagnação económica, porque afeta as expectativas materiais e de bem-estar das populações, sobretudo da classe média; o divórcio político, porque afeta as expectativas de representação e agrava o divórcio entre as elites alienadas das populações e as populações alienadas das elites, criando assim dois “povos” europeus cada vez mais estranhos um ao outro; a demissão cultural, porque afeta o próprio modelo cognitivo e moral com que nós europeus compreendemos o mundo e o nosso papel na preservação da civilização; o definhamento demográfico, porque afeta a própria noção que temos de nós mesmos enquanto princípio de continuidade histórica e comunidade que se projeta no futuro; e a desaparição histórica, porque, acotovelados entre o domínio norte-americano e a ascensão chinesa – verdadeiros agentes e construtores da História presente e futura –, vamos sendo, nós europeus, relegados para um papel cada vez mais periférico cuja capacidade de projeção histórica é crescentemente irrelevante.

É neste sentido, portanto, que devemos compreender os milhões de votos na “nova direita”: são estes os votos verdadeiramente europeus, na medida em que rejeitam a estagnação económica, a alienação política, a demissão cultural, o definhamento demográfico e a desaparição histórica a que os partidos políticos tradicionais parecem empenhados em condenar-nos. O voto na “nova direita” é, na verdade, o verdadeiro voto na Europa. Na Europa que tem passado e futuro, contra uma Europa que já não se reconhece no seu passado (de que se envergonha como se isso fosse uma virtude), nem se imagina no futuro (que julga dever impedir em nome da harmonia universal). Recusando aceitar o destino de uma Europa enclausurada num eterno presente, sem saber de onde vem e para onde vai, a Europa da “nova direita” não é a Europa do desespero – é a Europa da esperança.

Contrariamente à visão hegemónica das elites político-mediáticas que veem no eleitorado da “nova direita” um imenso e imundo depósito sem fundo de frustrações e rancores (o célebre “basket of deplorables”), é a esperança que caracteriza este voto e este eleitorado. É o equívoco alimentado pela propaganda que nos mantém distraídos do essencial. A “nova direita” não é, como convencionalmente se pensa, um espaço de protesto. Ou não o é apenas e sobretudo. Porque nem todo o protesto é esperança, mas toda a esperança é uma forma de protesto, sem que nele se esgote. A esperança protesta, mas transbordando sempre o seu próprio protesto. A esperança protesta contra o estado atual das coisas, contra as injustiças vigentes que tendem à sua própria perpetuação: a esperança é, fundamentalmente, um protesto contra a desesperança. A “nova direita” é esta esperança que protesta contra a desesperança.

Precisamos, também aqui, de inverter (ou seja, de corrigir) a visão convencional e hegemónica: perante o esgotamento e a crise irreversível dos partidos políticos tradicionais e das suas elites alienadas e fossilizadas, “a nova direita” não é a resposta de um novo extremismo, autoritarismo ou iliberalismo – é a resposta da própria Democracia e das gentes que amam a Liberdade acima de todas as coisas. Não é um substituto da Democracia: é a sua regeneração. A “nova direita” não cresce, em Portugal e na Europa, porque as populações passaram a acreditar em ditaduras como alguns, com má fé, querem fazer crer: cresce porque as populações nunca deixaram de acreditar na Democracia e na Liberdade. A esperança depositada na “nova direita” é, na verdade, a esperança num futuro de homens livres e prósperos.

Este argumento de um eleitorado esperançoso em vez de rancoroso, de um voto que nasce da esperança e não do protesto, pode parecer ridículo às elites. É normal. Como há mais de um século nos ensinou Robert Michels, é próprio das elites, à medida que se vão fossilizando e fechando sobre si mesmas (e todas as elites, incapazes de escapar a esta “lei de ferro”, necessariamente se fossilizarão e se fecharão sobre si mesmas), não compreenderem o seu próprio ridículo, a sua própria incompreensão, a sua própria fossilização e, sobretudo, onde habita a esperança que traz consigo a inscrição da sua – das elites – derrota inevitável. A esperança reside aí: a derrota das elites europeias é a vitória da Europa.

As elites europeias, ensimesmadas na incompreensão da sua própria alienação e enredadas na teia infinita das suas burocracias, venderam às populações a ideia de que as suas tradições são trogloditas, os seus valores são medievais, as suas famílias são australopitecas, as suas esperanças patéticas e o seu apego emocional à pátria moralmente condenável e destinado ao caixote do lixo da História. A “nova direita” veio para lembrar a Bruxelas que a Europa nunca será um espaço tecnocrático dedicado a vigiar o tamanho das suas salsichas, mas o espaço vivo inspirado pelo alcance das suas epopeias. Viemos para lembrar a Bruxelas que as populações europeias não permitirão o insulto das suas tradições, dos seus valores e dos seus antepassados em nome de apaziguar e apaparicar o fanatismo do politicamente correto. A “nova direita” é o espaço político que não permitirá que a Europa se transforme num continente que deixou de contar histórias sobre si mesmo a não ser histórias sobre passado de culpa e homologação de salsichas.

Porque, na verdade, só há uma Europa. Aquela que caminha sobre as suas duas pernas: o passado e o futuro. A Europa é esta imparável caminhada entre o seu passado e o seu futuro. Infelizmente, a Europa atual, tomada por tecnocratas sem memória nem imaginação, é tristemente manca. E as próteses tecnocráticas que têm servido de substitutos às suas pernas reais nunca serão capazes de a fazer avançar no sentido do que a inspira e a que aspira. É essa Europa que a “nova direita” pretende reerguer nas suas duas pernas. É essa Europa que já começamos a reerguer nas suas duas pernas.

À direita, nova e tradicional, saiba ela estar à altura da sua responsabilidade e da esperança das populações – e do momento histórico do encontro entre uma e outra –, compete converter esta imensa esperança popular em ação política. As populações, razão de ser de toda a ação política, estão prontas. O momento, porta entreaberta da História, está pronto. A esperança, força propulsora da mudança, está pronta. A Europa, reerguida nas suas duas pernas, está pronta. A direita tem de estar pronta. Pois, como escreveu Gore Vidal no livro “Empire”, quando a História começa a mover-se debaixo dos nossos pés, temos de apanhar boleia ou somos derrubados por ela.