Numa altura em que se fala da possibilidade de a Comissão Europeia aceitar negociar o alargamento do prazo para a aplicação do PRR, é importante perceber o que está em causa. Sobre esta negociação, sugiro vermos (1) a posição da Comissão Europeia, (2) as razões pelas quais o prazo atual poderá já não fazer sentido e (3) as implicações do possível alargamento do prazo.

Do lado da Comissão Europeia, não há muito interesse em alargar o prazo de aplicação do PRR. Como se sabe, a Europa tem sido incapaz de se reformar e, apesar dos vários alertas, a Comissão não tem tido poder político para mudar esta situação. Desta vez, para ganhar algum poder negocial, a Comissão exigiu o cumprimento de certos marcos antes de enviar o cheque. Ou seja, é uma forma de pressionar os estados-membros para implementarem pequenas reformas estruturais, porque os governos não querem desperdiçar dinheiro barato. Vejamos três dos muitos marcos que constam no nosso PRR: revisão do quadro legal da insolvência e recuperação de empresas, juízes especializados nos Tribunais Administrativos e Fiscais e transformação digital dos Tribunais e Ministério Público. Estas três medidas, que poderiam constar numa reforma da justiça, são cruciais para a competitividade das empresas portuguesas e poderão resolver problemas relacionados com o peso morto da dívida de algumas empresas. Apesar da sua importância, o Governo português só se comprometeu implementá-las no PRR, e em 2024 e 2025 (recordo que o prazo do PRR vai até 2026).

Mas, chegados a 2023, temos uma bazuca fora do prazo e desalinhada com a realidade. Por um lado, nenhum país estava preparado para implementar o PRR. Enquanto uns países demoraram a planear o PRR, outros aceleraram a receção do cheque sem prepararem as condições para escoar o dinheiro pela economia. Em ambos os casos, o resultado foi uma taxa de execução pobre. Por outro lado, a própria realidade mudou face ao que era em 2021: a guerra na Ucrânia aumentou a necessidade de a Europa diversificar as suas fontes de energia, agravou problemas de escassez de vários materiais e aumentou a inflação. Juntando a esta realidade, um aumento desmesurado (e concentrado em dois ou três anos) de despesa vai aumentar significativamente a escassez de material na Europa. Ou seja, com este prazo, a bazuca só tenderá a agravar os problemas atuais de inflação.

Por isso, existem algumas vantagens com o alargamento do prazo. Em primeiro lugar, o diferimento temporal da despesa diminuiria a pressão sobre a cadeia de abastecimento de muitos materiais e acabaria por ajudar o controlo da inflação. Seriam então boas notícias para o BCE (que pode ter algum peso político nesta decisão) e para as famílias e empresas portuguesas com crédito porque reduziria a necessidade de subidas das taxas de juro. Em segundo lugar, com a subida das taxas de juro e dos custos de financiamento, os fundos europeus ganham uma importância adicional no financiamento de investimento privado. Neste sentido, o alargamento do prazo daria mais tempo às empresas para pensarem este novo mundo e decidirem que projetos valerão a pena investir.

Por fim, o governo teria aqui uma excelente oportunidade para reprogramar a bazuca para a nova realidade e para mostrar se aprendeu com os muitos erros cometidos inicialmente. Por exemplo, se o prazo de aplicação do PRR alargar, o que acha que o Governo vai fazer aos prazos da aplicação daquelas medidas na justiça?

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