Todos já ouvimos a afirmação “o poder corrompe, o poder absoluto corrompe absolutamente”, mas na realidade o poder é uma ferramenta e é usado com base no carácter e consciência de quem o detém. A realidade é que todos nós somos passíveis de corrupção, é uma condição inerente ao ser humano. O poder, por si só, não é uma desculpa para agir de determinada forma; isso é completa e totalmente responsabilidade de quem age, pois temos livre arbítrio e é quem somos e o que aspiramos que o determina. Ou seja, perante uma situação onde podemos agir de uma forma que nos beneficie de alguma forma ou alimente o nosso ego mas que será injusta ou moralmente questionável, iremos ignorar a tentação de corrupção em prol da nossa consciência e de um bem maior. A posse do poder não é, de forma alguma, o factor primário da corrupção, pois o poder é uma capacidade e essa capacidade depende da modalidade, ética e consciência.

Na política, o poder oferece opções e essas opções são definidas, quer para o bem, quer para o mal, meramente com base na natureza intrínseca de quem decide. E é pela natureza incerta de quem poderá deter o poder, que o poder político deve ser limitado e controlado. Não existem sistemas perfeitos, mas a democracia é, até hoje, o único que impõe barreiras e controlo.

George Bernard Shaw afirmou que “o poder não corrompe os homens mas os tolos, se adquirirem uma posição de poder, irão corromper o poder”.

De acordo com estudos conduzidos a nível mundial, foi verificado que indivíduos sociopatas, narcisistas e com personalidades psicopatas tendem a procurar posições de poder, seja a nível empresarial, político, governamental, militar ou familiar. Devido a essa necessidade de ocupar uma posição que lhe dê poder, de alimentar o seu ego, o indivíduo ultrapassa qualquer limite, seja ético, moral, físico ou psicológico.

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Paul Babiak e Robert Hare publicaram em 2006 um estudo que estabeleceu a ligação entre liderança e uma personalidade psicopata, ou seja, um indivíduo egocêntrico, com tendências de grandiosidade, falta de empatia e consciência, mas, ao mesmo tempo, com uma personalidade carismática, charmosa e manipuladora. Foi verificado que a atração por uma posição de liderança, ou seja, de poder, é altamente aliciante para quem demonstra tais características.

Em 1971 foi realizada uma experiência social que ficou conhecida como a experiência da prisão de Standford. Resumia-se a uma simulação prisional, com voluntários, sendo divididos em dois grupos: o grupo dos guardas prisionais e o grupo dos encarcerados.

Esta experiência teria uma duração de 15 dias, mas ao fim do sexto dia teve de ser interrompida. O grupo dos guardas foram demonstrando cada vez mais violência física e psicológica, abuso de autoridade, humilhação física, psicológica e sexual, opressão, desumanização, comportamentos cada vez mais sádicos e agressivos, tortura e dominação para com o grupo dos encarcerados, resultando numa revolta.

Foram tiradas diversas conclusões, nomeadamente como qualquer um de nós pode, em situações extremas, agir de uma forma que nunca pensámos agir. Mas há algo que, para mim, será sempre determinante nas nossas escolhas: a nossa consciência. Abraham Lincoln disse: “Quase todos os Homens são capazes de suportar adversidades mas se quisermos por à prova o carácter de alguém, dê-lhe poder”. E é exactamente isto o que diferencia entre um bom e um mau líder, a sua consciência, o seu carácter, pois a corrupção vem do ego e, como afirmou Ruth Simmons, “é muito importante, quando num plano de liderança, não colocar o ego em primeiro plano e não julgar tudo com base em como o seu ego é alimentado”.

Em 1974, Marina Abromović realizou uma exibição artística que muito se assemelhou a uma experiência social. Ficou imóvel durante 6 horas enquanto o público era convidado a fazer com ela o que quisesse, usando um dos 72 objectos que colocou sobre uma mesa, desde penas, flores, uvas, perfumes, vinho, pentes para o cabelo, uma maçã, um pedaço de pão, facas, tesouras, uma barra de ferro, lâminas de barbear, uma pistola carregada com uma bala, entre outros.

Durante as primeiras horas os expectadores foram gentis e pacíficos. Mas após um tempo, o comportamento de parte do público passou a assédio, tornando-se mais violento. A situação piorou, e os expectadores deitaram-na numa mesa onde cravaram uma faca entre as suas pernas e começaram a utilizar os objetos de forma mais agressiva, nomeadamente lâminas de barbear para cortar as suas roupas, deixando-a nua.

Eventualmente os homens começaram a apalpar as partes íntimas da artista enquanto outros cortaram o seu pescoço com as lâminas de barbear e chuparam o seu sangue.

A situação tornou-se ainda mais volátil, sendo colocados espinhos de rosas no seu estômago e sendo apontada uma arma à sua cabeça e tentativas de violação. Foi então que o público se dividiu em duas fracções, uma que queria causar danos a Marina e a que a queria proteger.

Nem todos no público participaram, simplesmente ficaram a observar e eventualmente uma senhora aproximou-se de Marina, limpou as suas lágrimas. Assim que Marina, que se manteve imóvel durante todo este tempo, finalmente se mexeu, o público fugiu, envergonhado com o que se tinha acabado de passar e com medo das consequências.

Portanto, a opção de como agir é sempre de quem age. E, assim como aquela senhora do público se aproximou da artista com empatia e compaixão, opondo-se à dinâmica determinada por uma situação de poder, e a forma como parte do público tentou (embora tarde demais) impedir mais actos de tortura e violência, todos temos uma escolha a fazer: virar a cara perante o sofrimento de terceiros ou fazer frente a quem usa o poder de forma nefasta; usar o poder para criar danos ou para ajudar; ouvir aquela parte de nós que quer ser alimentada com actos negativos ou colocar o nosso ego de parte e agir de uma forma consciente e correcta.

Em 1796, George Washington decidiu não se candidatar a um terceiro mandato, tal como Thomas Jefferson em 1800, isto antes de ser ratificada a vigésima segunda emenda da constituição dos EUA, que limita o número de mandatos presidenciais.

Existem casos completamente opostos, como o de Vladimir Putin, que permanece no poder desde 1999 ou o de Kim Jong-un, líder da Coreia do Norte, que herdou a sua posição do seu pai (e este do seu pai), independentemente da vontade do povo.

Há diversos casos na história que demonstram o que acontece quando o ego se alia ao poder e provocam danos irreversíveis e, tantas vezes, hediondos.

Mencionando alguns nomes, Átila do império Huno; Genghis Khan das tribos da Mongólia; Amir Timur da Ásia Central; Idi Amin do Uganda; Pinochet do Chile; Nebuchadnezzar II da Babilónia; Pol Pot da Colômbia; Vlad III da Valáquia; Delphine Lalaurie dos EUA ou Elizabeth Bathory da Eslováquia.

Estes exemplos demonstram que quando indivíduos com determinadas características estão em posições de poder, exercem atrocidades inimagináveis. Mas apenas porque essas características já existiam no indivíduo

Mas também existem bons exemplos na história. Lúcio Quincio Cincinato, que viveu entre 519 a.C. e 439 a.C. em Roma. É descrito como um modelo de virtude e simplicidade, digno de imitação e zeloso pela república, rejeitando o poder, riqueza e o luxo.

Cincinato foi designado pelo Senado para apaziguar as tensões entre tribunos e plebeus e, após completar a tarefa, regressou à sua fazenda, recusando candidatar-se a Cônsul no ano seguinte.

Algum tempo depois, quando as tribos bárbaras ameaçavam Roma, voltou para o Senado, sendo-lhe dado poder absoluto. Após a vitória na batalha do Monte Álgido e com o fim do conflito, renunciou ao cargo, voltando novamente à sua fazenda.

Este é um exemplo excepcional de um líder com foco num bem maior em detrimento da ambição pessoal e do ego.

Portanto, o poder deve estar com quem não o deseja, pois esse desejo vem do ego e o ego corrompe.