A recente decisão da Arábia Saudita de não renovar o acordo de petrodólar com os Estados Unidos marca um momento decisivo na história económica e geopolítica mundial. Este acordo, que perdurou por cinco décadas, estabeleceu que o petróleo saudita seria vendido exclusivamente em dólares americanos. Em troca, a Arábia Saudita recebeu proteção militar e apoio económico dos EUA, consolidando o dólar como a moeda dominante no comércio global de petróleo. A mudança anunciada pelo príncipe herdeiro saudita, Mohammed bin Salman (MBS), no último domingo, 9 de junho de 2024, sinaliza a construção de um novo mundo multipolar e traz consigo uma série de implicações profundas para a ordem financeira global.

O Significado Histórico do Petrodólar

O petrodólar surgiu como uma resposta estratégica ao fim do Sistema Bretton Woods e à Crise do Petróleo de 1973. Quando o presidente Richard Nixon encerrou a conversão direta do dólar em ouro em 1971, desvalorizando a moeda e levando ao colapso do sistema Bretton Woods, os EUA precisavam de uma nova forma de sustentar a procura global pelo dólar. A Crise do Petróleo de 1973, desencadeada pelo embargo da OPEP aos EUA em resposta ao apoio americano a Israel durante a Guerra do Yom Kippur, exacerbou a necessidade de uma solução. Em 1974, o secretário de Estado Henry Kissinger negociou um acordo com a Arábia Saudita, onde o país árabe concordou em vender o seu petróleo exclusivamente em dólares e investir as suas receitas em títulos do Tesouro dos EUA. Este acordo foi posteriormente seguido por outros países da OPEP, estabelecendo o dólar como a moeda padrão para o comércio de petróleo.

A Erosão do Sistema de Petrodólares

Nos últimos anos, diversos fatores contribuíram para o declínio do sistema de petrodólares. As tensões entre os EUA e a Arábia Saudita, especialmente sob a administração de Joe Biden, enfraqueceram a aliança histórica. O assassinato do jornalista Jamal Khashoggi em 2018 e a promessa de Biden de tratar a Arábia Saudita como um “pária” internacional abalaram significativamente as relações bilaterais. Além disso, a crescente produção de petróleo de xisto nos EUA reduziu a dependência americana do petróleo saudita, alterando a dinâmica do relacionamento entre os dois países.

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A guerra Rússia-Ucrânia exacerbou ainda mais as tensões, com a Arábia Saudita a resistir à pressão ocidental para aumentar a produção de petróleo e reduzir os preços globais. A decisão da OPEP+ em outubro de 2022 de cortar a produção de petróleo em 2 milhões de barris por dia, apesar da pressão dos EUA para aumentar a produção, foi vista como um alinhamento dos interesses sauditas com os da Rússia.

O Papel de Potências Emergentes

A Arábia Saudita tem fortalecido os seus laços com a China, o maior importador de petróleo do mundo. Em dezembro de 2022, o presidente chinês, Xi Jinping, visitou a Arábia Saudita, resultando numa parceria estratégica abrangente, incluindo acordos para transações de petróleo em yuan. Pequim procura reduzir a sua dependência do dólar e aumentar a internacionalização da sua moeda. A introdução do contrato futuro de petróleo em yuan pela Bolsa Internacional de Energia de Xangai é um exemplo dessa mudança.

Além disso, a Arábia Saudita ingressou no BRICS em janeiro deste ano. O grupo tem procurado maneiras de negociar petróleo e outras commodities em moedas locais, desafiando ainda mais a hegemonia do dólar. Numa declaração conjunta emitida na segunda-feira, 10 de junho de 2024, os ministros das relações exteriores dos países que formam o bloco enfatizaram a importância do uso aprimorado de moedas locais em transações comerciais e financeiras entre os países, incluindo o petróleo.

Implicações Globais do Fim do Petrodólar

A decisão da Arábia Saudita de encerrar o acordo de petrodólar pode ter implicações significativas para a hegemonia económica dos EUA. Com a diminuição da procura por dólares, os EUA podem enfrentar desafios adicionais em financiar os seus défices sem causar inflação interna ou queda nos preços dos títulos do Tesouro. A decisão reflete um realinhamento estratégico, com a Arábia Saudita a procurar fortalecer laços com potências emergentes como China e Rússia, ao invés de depender exclusivamente dos EUA.

Embora o dólar ainda mantenha a sua predominância no curto prazo devido à sua vasta utilização em transações financeiras globais e como reserva de valor, a gradual aceitação de outras moedas no comércio de petróleo sinaliza uma tendência de longo prazo de diversificação e potencial declínio da supremacia do dólar. Essas mudanças indicam uma transição lenta, mas significativa, para um cenário económico global mais multipolar e menos dependente da moeda dos EUA.

Conclusão

O fim do acordo de petrodólar entre a Arábia Saudita e os Estados Unidos marca o início de uma nova era na geopolítica e na economia global. Este movimento não apenas desafia a hegemonia do dólar, mas também reflete uma mudança estratégica em direção a um mundo multipolar. As próximas décadas serão cruciais para observar como essa transição se desenrolará e quais serão as suas repercussões para a ordem financeira global.