Enquanto diretor-geral de uma empresa farmacêutica assumo o risco de parecer suspeito ao enfatizar a importância de um setor no qual não só trabalho, mas sobretudo que me proporciona uma enorme realização profissional e pessoal. Numa altura em que a Europa, por todos os motivos, precisa de recuperar as rédeas na liderança em investigação e desenvolvimento científico, urge mais do que nunca refletir de forma pragmática sobre o tema.
E aqui já não se trata de uma questão de opinião ,mas de factos. Os dados são da Federação Europeia de Associações e Indústrias Farmacêuticas (EFPIA) que, através do seu relatório anual, confirma que a indústria farmacêutica é não só catalisador da inovação, do avanço científico e do progresso médico através da investigação, desenvolvimento e introdução de novos medicamentos, como é ainda um motor da economia europeia, com desempenhos que ilustram bem o seu papel.
Os dados mais recentes são de 2022 e dão conta de um investimento de cerca de 44.500 milhões de euros em Investigação e Desenvolvimento (I&D) na Europa realizado por este setor, que emprega diretamente cerca de 865.000 pessoas e gera cerca de três vezes mais emprego indiretamente.
E, se dúvidas houvesse, temos também os números do Gabinete de Estatísticas da União Europeia, o EUROSTAT, a dar conta deste papel, mais uma vez através de factos: a indústria farmacêutica é o setor de alta tecnologia com o maior valor acrescentado por pessoa empregada, significativamente superior ao valor médio das indústrias de alta tecnologia e de transformação. E é também o setor com o maior rácio entre investimento em I&D e vendas líquidas.
Em Portugal, nos primeiros nove meses de 2023, as exportações farmacêuticas totalizaram 1.930 milhões de euros, o que configura um aumento de 28,9%, revela a APIFARMA, que prevê um novo máximo histórico em 2023, consolidando e reforçando o contributo do setor para a economia nacional.
No entanto, são muitos os desafios que este setor enfrenta, alguns que configuram mesmo ameaças e que põem em causa não só o desempenho nesta área, mas que, de um ponto de vista estratégico, acabam por fragilizar a Europa como um todo. Falo da concorrência crescente por parte das economias emergentes e de um crescimento enorme a que se tem assistido ao nível da investigação em países como a China. E o que é que isto significa? Que assistimos também a um aumento da transferência de atividades económicas e de investigação para mercados fora do espaço europeu.
Mais uma vez, os números falam por si: em 2022, a China quase igualou a Europa enquanto originadora de novas substâncias ativas lançadas pela primeira vez no mercado mundial.
Parecem não existir grandes dúvidas que o equilíbrio geográfico do mercado farmacêutico deverá mudar gradualmente inclinando-se para economias emergentes cujo crescimento tem sido de muito elevada magnitude.
E se a Covid-19 nos ensinou alguma coisa, é que uma base forte ao nível da investigação e um abastecimento e uma produção robustos garantem a resiliência e a autonomia estratégica de uma região.
Não queremos depender de terceiros para ter acesso aos ingredientes farmacêuticos ativos que nos permitem desenvolver muitos dos medicamentos de que necessitamos na Europa, até porque sabemos bem quais os eventuais custos dessa dependência, e não apenas económicos. Estamos a falar de uma questão de segurança e de saúde pública.
É necessário um esforço coordenado para aumentar a capacidade de produção dentro da Europa e garantir a resiliência das cadeias de abastecimento. É, por isso, essencial perceber que as decisões que tomarmos hoje vão afetar, indubitavelmente, a atratividade da Europa no futuro. E vão ter que garantir o acesso aos medicamentos de que os doentes necessitam.
A aposta tem de ser na inovação, independentemente dos desafios. Uma aposta que se vai traduzir na melhoria da qualidade de vida ou no aumento da esperança de vida das pessoas. Ou seja, fazendo diferença. E é essencial que a Europa esteja na vanguarda dessa inovação.