Conforme referimos em artigo anterior são três os objetivos de um orçamento: (i) contribuir para o crescimento económico, através de uma melhor afetação de recursos, produção de bens públicos e investimento, e redução das distorções na economia; (ii) contribuir para a estabilização cíclica da economia, compensando os hiatos entre a procura e a oferta global; e (iii) contribuir para uma economia mais equitativa, através da redistribuição do rendimento e acesso das classes de menor rendimento aos bens públicos e a um mínimo de rendimento. Também haverá outros objetivos ou restrições que o orçamento deve prosseguir: (iv) estabilidade da dívida pública a longo prazo; e (v) simplificação administrativa e transparência, assim como (vi) respeito pelas liberdades e escolhas democráticas. Vejamos, então, de forma sintética, se o OE de 2025 responde a estes objetivos.
Hoje vamos analisar se o OE contribui para a estabilidade económica da economia (política anti-cíclica), e financeira (política da dívida pública) e respeita as novas regras orçamentais da União Europeia.
1 O OE-25 contribui para a estabilização da economia?
Para estudarmos qual deve ser a postura da política orçamental, isto é, para saber se deve ser expansionista, neutral ou contracionista, devemos recorrer ao hiato do produto, que mede o quociente entre o PIB atual e o PIB potencial, em termos percentuais. Se o hiato do produto for positivo quer dizer que a economia está sobreaquecida, ou seja, há sintomas de haver um excesso de procura, se o hiato for negativo há sintomas recessivos. Como podemos observar pela Figura 1, as estimativas da Comissão Europeia mostram para Portugal um hiato ligeiramente positivo de cerca de 0.6% do PIB, enquanto para a UE se estima um valor quase neutral de -0.3%. Por ser um hiato positivo baixo, a política orçamental em Portugal deve ser neutral em termos de impacto cíclico.
Figura 1
Ora, se observarmos a Figura 2 verificamos que a política orçamental em 2014 e 2015, que seria quase neutral sem o efeito do PRR, é expansionista com o efeito do PRR. Este efeito já era previsível, pois o PRR foi definido num quadro fortemente recessivo da crise pandémica, mas a sua execução arrasta-se pelos 3 a 5 anos seguintes, já claramente depois de se ter dado a recuperação natural do ciclo. Mais um erro de timing das Instituições Europeias, ao qual Portugal tem dificuldade em corrigir.
Figura 2
Três observações importantes a que o leitor deve estar atento. Em primeiro lugar, em termos macro, o que interessa é o saldo global do orçamento, porque é esse que mostra se o Estado está a injetar ou não fundos na economia. Em segundo lugar, ao definir um saldo estrutural, estamos já a descontar o efeito cíclico da economia. Por exemplo, em 2020, ano da pandemia, o défice (necessidades de financiamento do Estado) foi de 5,8%, enquanto o défice estrutural foi de apenas 2.2% do PIB. Em terceiro lugar, tanto a Comissão Europeia como o Conselho de Finanças Públicas (CfP) utilizam a variação do défice estrutural e não o próprio défice. Com efeito, aquando da crise de 1977-78, alguns economistas acusavam o FMI de estar a causar uma recessão em Portugal porque o défice orçamental teria de descer de cerca de 6 para 4% do PIB!
E quais são as consequências da política expansionista? Haverá alguns efeitos sobre a inflação em Portugal, mas com esta está ancorada pelo BCE, não devem ser significativos. O excesso de procura será sobretudo canalizado para mais importações com algum impacto no défice externo.
Não defendemos uma política orçamental ativista (que reage a todos os movimentos do hiato do PIB), pelo que o impacto expansionista do OE-25 não será de valorizar significativamente. Pelo contrário, o que é preocupante é a subida da despesa corrente, e mesmo da despesa corrente primária, que devem crescer próximo dos 10% em 2024, devido aos aumentos das prestações sociais e ajustamentos salariais. E este aumento apenas se reduz para cerca de 6,5% em 2025.
2 O OE-25 respeita as Regras Fiscais da União Europeia?
Deve ter passado despercebido a muitos leitores que a UE alterou significativamente as regras fiscais (antigo PEC) a partir deste ano, por pressão dos socialistas espanhóis associados aos Países Baixos, mas que foram apoiadas por muitos economistas, inclusive pelo FMI. Em geral, as regras continuam com o referencial do Tratado dos 3% do défice e 60% da dívida, mas são mais relaxadas no curto prazo. As novas regras concentram-se na ideia de que o País tem de apresentar um quadro de evolução da dívida que seja credível, para evitar o risco de uma crise, e ter como um objetivo de longo prazo o rácio dos 60% (para países como Portugal, o rácio da dívida tem de se reduzir de 1% ao ano se esta estiver acima dos 90% e 0,5% se estiver entre 90 e 60%). Deste conjunto de regras e de estudos da evolução da economia europeia, a Comissão define uma taxa de crescimento máxima da despesa pública. A ideia é que as regras devem ser mais simples e é sobretudo pelo controle da despesa que se devem limitar os défices. (Economic governance framework – Consilium). Também tentam a integração de medidas de reforma e de tratamento especial de investimentos e despesas com a transição climática e com a segurança europeia, definindo uma despesa estrutural primária líquida.
O Plano Orçamental-Estrutural Nacional de Médio Prazo (2025-2028) (POEN-M) (disponível aqui) define os compromissos orçamentais, as reformas e os investimentos assumidos por um Estado-Membro durante um período da legislatura. Este Plano foi submetido à Comissão Europeia e deverá ser aprovado pelo Conselho Europeu. O quadro básico de projeções macroeconómicas (Quadro 1) apresenta taxas de crescimento do PIB potencial relativamente baixas. O principal compromisso é o da taxa de crescimento da Despesa Líquida,[1] que é de 5 e 5,1% em 2025-26, e depois baixa drasticamente para 1,2% em 2027 (ano em que se prevê um aumento da carga fiscal de 2.5%), voltando a subir 3,3% no último ano da legislatura.
Apenas duas notas: as projeções do PIB são claramente insatisfatórias e estão bastante abaixo do Programa da AD, o que revela baixa ambição (será prudência?) para o crescimento. Segundo, e conforme referimos em artigo anterior, é preocupante o aumento da carga fiscal, que vai limitar o crescimento, como o próprio Plano já prevê!
Quadro 1
De acordo com o Parecer do CFP sobre a Proposta do OE: “A Proposta de Orçamento de Estado para 2025 (POE/2025) corresponde ao primeiro orçamento que deverá respeitar o compromisso assumido pelo Governo para a evolução da despesa líquida no período 2025-2028 no Plano Orçamental Estrutural Nacional de médio prazo (POEN-MP), submetido à Comissão Europeia e sujeito, ainda, à aprovação pelo Conselho da União Europeia. Nos elementos informativos que acompanham a proposta de Lei do OE, referentes ao projeto de plano orçamental (DBP) a apresentar à Comissão Europeia, dá-se nota de que, em 2025, a despesa líquida cresce 4,9% em termos nominais (abaixo do compromisso de 5%, mas acima do valor médio de 3,6% e do valor da trajetória de referência da Comissão Europeia de 4,1%). Esta matéria será enquadrada no âmbito de análise POEN-MP que o CFP irá publicar.” (pg 6).
Em termos de trajetória da dívida pública, o OE-25 mantém, embora reduza ligeiramente, o excedente primário estrutural (Figura 3), pelo que mantém a trajetória descendente da dívida pública (Figura 4):
Figura 3
Figura 4
No cenário de base do OE-25 está programada a redução da dívida de 95,9% em 2024 para 93,3% em 2025 (o CfP prevê mesmo uma taxa de 87,2% para este ano, devido à revisão das contas nacionais pelo INE e outros efeitos) e depois para 83,2% em 2028, no fim da atual legislatura e 77,3% em 2030. Ou seja, prevê-se uma redução de 3 pontos percentuais do rácio da dívida sobre o PIB, em média, bastante acima do 1% exigido pelas regras da UE. Neste ponto, o Governo mostra uma ambição superior à trajetória requerida pela UE. E, para o futuro, continua esta progressão, apesar da redução do excedente primário, o que vai criar uma maior margem de manobra na redução da dívida.
O OE-25 não deve ter problemas em passar o crivo da Comissão Europeia. O mais significativo, é que estamos prestes a ultrapassar o limiar da dívida pública dos 90% do PIB, que a Comissão, e vários economistas (e que nós também defendemos) consideram um marco importante na redução de risco de crise da dívida.
3 Conclusões
As três principais conclusões que retiramos deste artigo são: (i) o OE-25 (e provavelmente o OE-26) vão dar um impulso à procura global (e não necessariamente ao PIB potencial) e devem provocar alguma aceleração do PIB (eventualmente superior às projeções do Governo). Este impulso resulta em grande parte da aceleração na execução (atrasada) do PRR e de maiores transferências de fundos da UE. (ii) Não deixa de ser preocupante a subida da despesa corrente em 2024 (10%) e a prevista para 2025 (6,5%) bastante acima do crescimento do PIB nominal (cerca de 4,5%). E, para cumprir as regras europeias, o Plano de Médio Prazo proposto pelo Governo, prevê uma subida acentuada da carga fiscal em 2027! (iii) Tanto a Comissão Europeia como o FMI têm louvado a redução muito significativa da dívida pública, em termos do seu peso no PIB, que passou de 126% em 2017 para provavelmente estar abaixo dos 90% em 2025. Esta redução foi em grande parte devida aos efeitos do crescimento nominal do PIB (com grande ajuda da inflação), refletindo também os excedentes primários alcançados pelos diferentes governos.
[1] A Despesa Líquida é igual ao total da Despesa Pública menos as receitas previstas das medidas discricionárias de aumento de impostos. Esta regra permite aumentos discricionários da carga fiscal sem limite!