Disclaimer: sustentabilidade escreve-se a dois. É um dos pressupostos em que mais acredito.

Acredito que vivemos num contexto abençoado. Mesmo perante a situação que estamos todos a viver assumimos que o Ser Humano, na sua grande maioria, tem “poder de escolha”. Mas não: isso só é permitido a uma elite.

Caro/a leitor/a, por favor pense comigo: se tivesse a possibilidade de fazer a escolha entre o produto A ou B, sabendo que A é um produto que promove os direitos humanos e que, portanto, não explora pessoa alguma, escolheria o A. Certo? Essa é a questão.

É que a minha colega e eu acreditamos que a génese humana, na sua maioria, é colaborativa e boa. Precisamos é de compreender, estar informados e saber a que fontes recorrer para tomarmos a opção certa, que no caso seria a de comprar o produto A. Mas vamos às explicações.

Por que é que escrevemos este artigo num prémio de Women in Tech?

Cada vez mais somos confrontadas/os, diariamente, com notícias sobre violações dos direitos humanos por parte de empresas privadas e públicas ou fornecedores em Portugal e lá fora, cujos produtos e serviços são fruto de condições de trabalho exploratórias, denominadas de escravatura moderna.

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Sim, a escravatura ainda existe. Escravatura moderna é um termo genérico que consiste nas mais graves formas de exploração humana, que inclui trabalho escravo ou forçado, tráfico humano, casamento forçado e infantil, entre outras formas de exploração sexual. A escravatura moderna vitimiza cerca de 40,3 milhões de pessoas em todo o mundo.  E apesar de Portugal poder não ser percepcionado como um país de elevado risco, estima-se que existam 26 mil vítimas de escravatura moderna no nosso país. Isto são factos.

Apesar da complexidade e da dimensão deste problema, acreditamos que o consumidor tem um papel fundamental no combate ao trabalho escravo nas cadeias de valor do setor privado, que afeta 16 milhões de pessoas. É particularmente significativo o que acontece na produção de vestuário, de  alimentos, como chocolate e fruta, e até de materiais utilizados no fabrico de painéis solares. Mesmo as empresas mais amigas do ambiente podem explorar seres humanos.

E nós somos cúmplices destes crimes através das nossas escolhas, enquanto consumidores:

  • Ao comprarmos smarthphones que, na sua maioria, possuem baterias de íon de lítio que utilizam cobalto, um material que é apanhado por crianças a partir dos 6 anos de idade em minas na República Democrática do Congo (DRC);
  • Ao adquirirmos camarão e gambas originários de países como a Tailândia, onde os pescadores são violentados e vítimas de abuso físico, sujeitos a meses em alto mar sem receber pagamento completo pelo seu trabalho, e onde a sua documentação é retida para que não possam sair;
  • Ao comprarmos roupa de marcas que abusam das fábricas no Sul asiático onde produzem as suas coleções, cujos fornecedores pagam salários muito abaixo do mínimo exigido no país em questão, para além de forçarem mulheres a longas jornadas de trabalho de 14 horas sem pagamento de horas extra, sem condições de segurança e saúde;
  • Ao consumirmos frutos vermelhos de estufas biológicas e outros legumes que são recolhidos por trabalhadores agrícolas imigrantes sem condições de trabalho e vida dignas, em Odemira e outras partes do Alentejo.

Mas também temos boas notícias.

Felizmente, muitos de nós querem tornar-se cada vez mais conscientes e mais inteligentes, enquanto consumidores, empresas, fornecedores, sem hipotecar o planeta ou as pessoas. Tomar decisões sustentadas e informadas pode parecer uma tarefa impossível – afinal, as outras partes do mundo ficam tão longe! – sobretudo quando as grandes marcas falham na transparência sobre a cadeia de valor e a informação sobre o assunto está dispersa e convenientemente escondida.

Eu não sei onde a informação está e, não sabendo fazer diferente, silencio-me.

No nosso entender, o maior perigo não é a ignorância, mas sim aquele que pretende manter-se ignorante. Portanto, a quem tem a coragem de perguntar “como podemos fazer melhor?”, nós respondemos: informem-se, questionem, critiquem, sejam curiosas/os, reflitam quando estão num supermercado, loja de roupa ou a fazer compras online.

Quem fez este produto? Qual a sua origem? Tem um selo sustentável como o B-Corp ou Fairtrade, que verifica que a respetiva produção não teve um impacto negativo no planeta e nos trabalhadores envolvidos? Procurem equipar-se com ferramentas de aprendizagem e ação – como o Índice de Transparência na Moda da Fashion Revolution ou o Toolkit Empresarial e de Direitos Humanos C-MORE  para fazer frente a este problema tão escondido mas tão presente nas nossas vidas.

A tecnologia e as plataformas de transparência têm um papel fundamental neste caminho. Recolhem dados, agregam e sistematizam. Simplificam a vida do consumidor.

Aproveite e espreite a plataforma que desenvolvemos para si, onde pode encontrar resposta a pelo menos algumas das suas perguntas, e dê-nos feedback. Se não souber, pergunte. Se este artigo não for claro o suficiente, contacte-nos. Afinal de contas, o que queremos é que esteja connosco deste lado da barricada. Onde e quando não sabemos, não assumimos. O ser humano não compreende o que não conhece, e, portanto, o primeiro passo é estar frente-a-frente com respostas para, a partir daí, decidir percursos.

E eu, nós, esperamos que a partir de agora, conheça um pouco mais. No final de contas, escrevemos este artigo a pensar em todas/os nós, mais e menos corajosas/os, que querem fazer a diferença como consumidores, lutar pelos direitos humanos no seu dia-a-dia e não querem silenciar-se mais.

Contamos consigo?

Carolina Almeida Cruz adora a raça humana e é apaixonada pela forma como as pessoas se comportam nos vários contextos. Licenciou-se em Psicologia, co-fundou a SAPANA, trabalhou numa das agências da ONU, viveu na Ásia, lidera atualmente a sua B-Corp (to be) e leciona/partilha conhecimento na Universidade Católica. Foi a vencedora do Portuguese Women in Tech na categoria Sustainability & Climate Change Activist!

Francisca Sassetti é uma abolicionista moderna que trabalha na confluência do meio empresarial, direitos humanos e tecnologia, com o objetivo de capacitar as pessoas mais vulneráveis na nossa economia global.  Trabalhou para diversos organismos que combatem a escravatura moderna, em redor do mundo. Estudou Ciência Política e Política Comparada em Portugal e no Reino Unido, onde vive atualmente.

O Observador associa-se à comunidade Portuguese Women in Tech para dar voz às mulheres que compõem o ecossistema tecnológico português. O artigo representa a opinião pessoal do autor enquadrada nos valores da comunidade.