Em pleno século XXI, o Partido Comunista Português continua preso ao tempo da Guerra Fria, ao tempo da ordem global bipolar. Desde então, o bloco de Leste e soviético colapsou, os partidos comunistas por essa Europa fora desapareceram ou converteram se numa espécie de Nova Esquerda à lá Bloco ou, inclusive, em partidos sociais-democratas. Contudo, o PCP permanece intacto, inamovível, ortodoxo. Os seus acólitos consideram que tal característica lhe confere força; os demais, como uma forma irredutível de estar na política e que, paulatinamente, irá conduzir o partido rumo à irrelevância.
De qualquer modo, o PCP prossegue o seu caminho em direção ao abismo, assente numa mundividência a preto e branco, manifestando uma reação pavloviana no que concerne os EUA e, em larga medida, o mundo Ocidental. Isto traduz-se no seguinte: Maduro venceu legitimamente as eleições na Venezuela, porque afirmar o contrário significa a apoiar a alegada ingerência imperialista norte-americana. E, como é sabido, as ditaduras são só à direita. Se é de esquerda, não pode ser autocracia. Veja-se a Coreia do Norte, sobre a qual Jerónimo de Sousa questionou, outrora, o que era uma democracia, afinal? No que toca à causa palestiniana, o PCP assume a hipocrisia, defendendo a autodeterminação dos povos e, bem, repudiando violações dos direitos humanos e do direito internacional. É lamentável que esta posição se altere consoante os perpetradores.
No seguimento, o PCP, aquando da invasão russa da Ucrânia, condenou e responsabilizou tudo e todos, excepto o agressor. Reproduziu ad nauseam a narrativa putinista, simplesmente porque existia a putativa hipótese de uma Rússia mais robustecida poder vir a beliscar o dito imperialismo norte-americano. Se de um lado da trincheira estão os EUA, o PCP está do outro lado. Mesmo que implique defender o regime autocrático e imperialista de extrema-direita. Se Órban e Le Pen defendem Putin, é compreensível, visto serem apoiados pela Rússia e terem ligações perniciosas com o regime oligárquico. Agora, o PCP fazê-lo gratuitamente, já é só risível e confrangedor.
Não é despiciendo salientar novamente que o PCP continua a ter uma visão, no mínimo, redutora da realidade. A propósito, recentemente, Paulo Raimundo foi incapaz de escolher entre Kamala Harris e Donald Trump, caso tivesse que votar ou apoiar um dos candidatos nas eleições norte-americanas. Entre uma candidata de centro-esquerda moderada e um de extrema-direita, que já fomentou uma tentativa de golpe de Estado, o líder comunista considera ambos igualmente maus. Tal posição não surpreende. Não obstante, é aflitivo ver a ausência de raciocínio crítico nas hostes comunistas. Leva a crer que, mesmo que um dos candidatos fosse comunista, seria péssimo porque é norte americano. O que o Partido Comunista Português cisma em não querer perceber é que esta incapacidade de ver a realidade não é ter um pensamento independente e livre da, designada pelos próprios, propaganda capitalista e pró-Yankees. É existir em 2024, mas pensar e dirigir-se para um público-alvo que eles julgam que ainda está em 24 de novembro de 1975. O raciocínio é singelo. Se eles estão no PREC, o país e o mundo igualmente têm que estar.
Em jeito de conclusão, cumpre referir que o eleitorado comunista está substancialmente envelhecido, a classe operária já praticamente não existe, dadas as alterações socioeconómicas. No âmago dos mais carenciados e com menor escolaridade, tradicionalmente um eleitorado associado a partidos mais à esquerda, estão a votar sobremaneira mais na extrema-direita do que nos comunistas. Adicionalmente, o eleitorado de esquerda radical – de extrema-esquerda para muitos – tende a inclinar-se gradualmente para partidos como o Bloco de Esquerda, sobretudo o eleitorado mais jovem.
O seu conservadorismo nas designadas questões fraturantes também não tem ajudado o partido. A delapidação eleitoral, quer na dimensão autárquica, quer na nacional, reflete uma degradação e erosão estrutural do PCP, que teima em não querer mudar. Neste sentido, qualquer crítica ou reparo é percepcionado como sendo propaganda anticomunista ou ódio advindo de um anticomunismo primário, seja lá o que isso for. No fundo e de forma sucinta, o PCP é como o condutor de um veículo, já com demasiados quilómetros, em contramão na autoestrada, que ridiculariza e condena a condução dos demais porque julga ser o único iluminado, bafejado com suprema inteligência – divina, porventura. Este comportamento é apanágio de quem repudia a mudança, ideias distintas, uma mundividência diferente. É um partido com imensa história, para o bem e para o mal, mas parece fazer de tudo para não ter futuro.