Depois do anúncio da proposta do governo para o sector da habitação, continuam as queixas que motivaram, suponho, o dito programa.

Pouco importa o veto político do Presidente, pouco importa a competência, capacidade e adequação do dito programa, como pouco importa qualquer outra medida sobre a questão da habitação que não se foque no problema efectivo. E o problema efectivo é que não há um problema de habitação em Portugal.

Repito: não há um problema de habitação em Portugal. Há sim um outro problema que é a distribuição de habitantes. Sem se resolver essa questão, nunca se resolverá o erradamente chamado ‘problema de habitação em Portugal’.

Vejamos, com recurso a um exemplo de simples compreensão.

Pesquisando a oferta de imóveis em sites especializados, encontrei um apartamento tipologia T3, com 80m2, em Monte Abraão, colocado em venda por 229 500 €. Segundo o site consultado, um empréstimo para a aquisição deste imóvel implicaria uma prestação mensal de 661€, em caso de recurso a crédito bancário.

PUB • CONTINUE A LER A SEGUIR

No mesmo site, pesquisando também por um T3 em condições similares, mas no centro de Castelo Branco, encontra-se um apartamento de 96m2 à venda por 89 500 €. Da mesma forma, o site em apreço indica que a prestação mensal seria de 250€.

Ou seja, para um habitante do Monte Abraão é exigido um esforço mensal suplementar de 411€.

Imaginemos então que esse habitante é um funcionário público, trabalhando num organismo como, por exemplo, a Autoridade de Supervisão de Seguros e Fundos de Pensões, com sede na Avenida de República, o que implica ainda que esse cidadão terá que escolher entre usar comboios sobrelotados, ou filas intermináveis no IC19 para fazer o diário vai-vem casa-trabalho, gastando nisso mais dinheiro e tempo.

Imaginemos então que esse organismo é deslocado para Castelo Branco, como a IL propôs, e que o funcionário acompanha a mudança. Reduz a sua despesa mensal de imediato em 411€, acrescendo que eventualmente até poderia ir a pé de casa para o trabalho, sem qualquer dificuldade.

Este simples exemplo permite antever o que origina de facto o problema da habitação: o centralismo. Entramos num ciclo vicioso em que se procura responder às consequências do esgotante centralismo com mais medidas que o mantêm, retirando até recursos (por escassos e limitados) para que os outros locais fora de Lisboa (e litoral por extensão) possam captar e reter habitantes.

Portanto, o problema de habitação é principalmente em Lisboa e litoral, porque o resto do país vive um outro problema: o problema dos habitantes. Estes problemas implicam muito mais do que só a habitação, chegando também à floresta, agricultura, saúde, ensino, economia.

É este centralismo esgotante que possibilita que uma região – o Alentejo – com área semelhante à Bélgica, seja desprezado, ignorado e impossibilitado de criar riqueza.

É o centralismo de Lisboa que causa o problema de habitação, de estagnação económica, de falta de médicos, de fogos florestais, de despovoamento.

Encontrem-se soluções para eliminar o centralismo e o país tenderá a reequilibrar-se, a sair do marasmo e estagnação (quase) endémica.