Nos últimos anos, assistimos a uma verdadeira fuga de talento: 26% da população portuguesa reside fora do país, onde se encontra um terço dos jovens e jovens adultos entre os 15 e os 39 anos. Trata-se de um verdadeiro “inferno demográfico”. Um fenómeno que, pela sua persistência e implicações a médio-longo prazo, na economia, na sociedade, na competitividade do país, merece uma séria reflexão… mas, acima de tudo, soluções práticas e conjuntas, que tardam em ser colocadas no “terreno”.

O problema não é a saída dos nossos jovens. Num mundo globalizado, onde a aprendizagem, o conhecimento e a experiência internacionais são fatores determinantes para o crescimento das pessoas, das empresas e do país, isso é legítimo e até aconselhável.

O problema é a razão que os levou a sair e a falta de motivação e vontade para regressar enquanto não endereçarmos as razões que levaram à saída. Dos 875 mil portugueses que emigraram entre 2011 e 2021, apenas 132 mil voltaram a Portugal. Ou seja, cerca de 1 em cada 7 emigrantes retornou ao seu país. A longo prazo poderão ser 6 em 10, tendo em conta os 61% de emigrantes que não consideram regressar a Portugal, como revela o estudo realizado pelo BRP com a Deloitte no final de 2022, a mais de 5 mil pessoas.

Se a este cenário preocupante somarmos os 5 em cada 10 jovens da geração Z (atualmente entre os 14 e os 29 anos) que, de acordo com o estudo, se mostrou propenso ou muito propenso a emigrar, então teremos um país desertificado, com todas as consequências económicas, sociais e culturais que isso irá gerar para os que decidirem ou forem obrigados a ficar.

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Estamos perante uma grave crise de retenção de talento, mas, ainda mais grave, uma incapacidade de atrair aqueles que partiram. Portugal não tem sido capaz de convencer os seus filhos mais qualificados e experientes a regressar, apesar das valiosas competências, conhecimentos e capital que acumularam lá fora. Entre 2014 e 2020, os emigrantes portugueses enviaram remessas no valor de 24,1 mil milhões de euros, quase o equivalente aos 25 mil milhões do PT2020. Em 2023, essas remessas totalizaram quase 4 mil milhões de euros, mais do que o total de investimento direto estrangeiro contratado pelo AICEP, que ficou em 2,7 mil milhões de euros.

O potencial impacto positivo que um regresso em massa poderia ter no nosso país, é enorme. A título meramente ilustrativo, podemos recuperar o caso do retorno dos emigrantes no pós-25 de abril de 1974. Aproximadamente 500.000 pessoas (cerca de 5 a 5,7% da população residente à época) regressaram com um nível educacional, de abertura ao mundo e de sofisticação de atividade económica superior ao da população residente, o que contribuiu significativamente para a modernização e abertura do país.

A questão que se coloca é então: o que podemos fazer para inverter esta tendência?

Para voltar a atrair estes talentos, Portugal precisa de implementar políticas públicas e privadas que incidam eficazmente sobre os fatores que levam o talento a sair. Isso inclui garantir melhores salários, menos impostos sobre o trabalho, maior poder de compra para fazer face ao (elevado) custo de vida, melhores condições de trabalho e oportunidades de carreira.

O desafio que se coloca ao novo Governo e ao setor privado é imenso, mas a necessidade de agir é urgente e imediata.

As empresas têm um papel muito relevante para a alteração desta situação, e ainda recentemente a Associação BRP apresentou cinco medidas e cinco casos de sucesso da sua implementação em Associados, em cinco áreas especificas – cultura organizacional, organizações ágeis, liderança, carreiras e benefícios -, que provam que é possível fazer mais e melhor, e que pretendem inspirar outras empresas a seguir o mesmo caminho. Um trabalho que juntou 36 especialistas em gestão de talento de 23 das maiores empresas no país.

Mas a exigência que estamos a colocar sobre as empresas, deve ser também assumida pelo novo Governo, que tem o poder para adequar as políticas públicas às necessidades dos jovens, dos portugueses e do país, e cumprir este que deveria ser o novo desígnio nacional: fazer regressar os nossos jovens.

Portugal deve posicionar-se como um país atrativo não apenas para turistas, nómadas digitais ou investidores estrangeiros, mas, primordialmente, para os seus próprios cidadãos, sob o risco de hipotecarmos o nosso futuro e de o país continuar a perder as gerações mais qualificadas de sempre, e os portugueses os seus familiares e amigos.