O nosso governo socialista teve uma ideia brilhante para reforçar o SNS como deve ser: fixar os recém-especialistas. Esta ideia já vem de há algum tempo, mas agora parece ter ganho outros contornos com uma estratégia bem diferente. Se há uns anos a preocupação era ter um SNS atractivo para os profissionais, com contratos vantajosos em relação aos privados, agora, António Costa teve uma epifania marxisto-venezuelo-cubana e lembrou-se de obrigar os recém-especialistas a “dar uns anos à casa” antes de poderem ir trabalhar para os terríveis capitalistas que dominam o sector privado da saúde.

Parece fazer sentido, pois se o Estado benevolente forma os médicos, estes têm de devolver o que lhes foi oferecido trabalhando para quem tudo lhes deu, com as condições que os Senhores Ministros das Finanças acharem adequadas. Isto sem que os médicos ingratos possam dizer uma palavra que seja. Era tudo muito bonito se não fosse um atentado tremendo à liberdade individual, próximo da escravatura. O Estado diz: “Jovens médicos, venham para o SNS, damo-vos boas condições, uma vida estável, sem poderem ser despedidos, por um ordenado assim assim”. Os médicos respondem: “Os outros oferecem bastante mais e melhores condições de trabalho, prefiro ir para lá”. Por isso o Estado usa da sua prepotência e proíbe os vis médicos de irem trabalhar para onde querem.

O que mais fascina nesta ideia maravilhosa é que esta obrigação de trabalhar para o Estado é exclusiva para os médicos. Tanto quanto sei, o Estado paga a formação superior a muitos outros para além dos médicos. Porque não fixar esses também? Os hospitais, para além de médicos, estão desesperados por assistentes sociais, por enfermeiros, por auxiliares; as empresas públicas estão sedentas por bons gestores; o sistema judicial beneficiaria com certeza em ter mais procuradores, mais juízes… Porque não forçar todos estes a trabalhar para o Estado? O que se entende é que os médicos são diferentes, pois eles salvam vidas, mas os outros profissionais, tanto faz.

O problema é que não é só nisto que os médicos são diferentes, pois já hoje em dia trabalham mais que todos na função pública. Os médicos são dos poucos funcionários públicos que ainda têm 40h de contrato semanal, apesar da maioria dos internos das especialidades, em meio hospitalar, fazerem um número de horas mais perto das 60. Pois é, muita gente se esquece que o curso dos médicos é amplamente “pago” pelos 4 a 6 anos de internato que oferecem, em 90% dos casos em instituições públicas, em condições financeiras e humanas muito difíceis. Chega a ser ridículo dizer que o Estado oferece a especialização dos médicos tendo em conta tudo o que um interno tem de fazer pelo SNS. Sem os internos, o SNS ruía! Basta pensar nas infindáveis horas de urgência, muitas vezes sem apoio dos especialistas que preferem também eles sonhar com um SNS melhor numa cama longe do Serviço de Urgência, ou na quantidade de vezes que esses mesmos especialistas preferem ir tratar de assuntos pessoais enquanto que os internos discutem os doentes no internamento com as suas próprias almas. Não, caros leitores, os recém-especialistas não devem nada ao Estado!

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Os recém-especialistas fogem do SNS pois há sítios com condições melhores. Dá para notar, com uma certa ironia, que os médicos que “fogem” para o privado acabam por ser os que amparam as pessoas que, por falta de qualidade e de condições, deixam de recorrer ao SNS, pois se não fossem os privados, a saúde em Portugal estaria em muito piores lençóis do que está agora.

António Costa sonhou, Marta Temido disse, o socialismo fez-se! Se fosse um filme do Christopher Nolan, se calhar víamos a Catarina Martins a mandar uns bitaites enquanto o Primeiro Ministro dorme.

O autor decidiu não escrever segundo o novo acordo ortográfico