O Sistema Nacional de Saúde (SNS) decomposto na sua definição, faz resultar os seguintes conceitos: Sistema – combinação de partes reunidas para concorrerem para um resultado, ou de modo a formarem um conjunto; Nacional – que pertence à nação ou estado; Saúde – um estado de completo bem-estar físico, mental e social e não apenas a ausência de doença ou enfermidade (OMS).

O Sistema Nacional de Saúde em Portugal, tem vindo a ser alvo de diversas avaliações, análises, críticas, argumentadas por diversas personagens dos espectros da sociedade distintos, focando no seu alvo de apreciação os defeitos e disfuncionalidades do sistema.

O Sistema, que pertence à nação e pretende salvaguardar, proteger, promover e recuperar o bem estar físico, mental e social dos cidadãos, é definido – não diferente de todos os restantes – por uma reunião de partes que concorrem para um resultado. As partes que o compõem pressupõem a existência de um predeterminante do sistema – o cidadão; um processo de execução do sistema – os profissionais de saúde; e um resultado – a saúde. Invariavelmente a crítica diária, mordaz, incessante, recai na fase processual e resultado do sistema, deixando de almejar de forma confortável e intencional, o determinante e terceiro elo do sistema – o cidadão, utente.

Nos últimos anos verifica-se de forma notória a um processo progressivo, crónico e crescente de demissão de responsabilidade do cidadão/utente sobre os seus deveres primários de cuidar e preservar a saúde, fazendo-a recair no sistema. A saúde é um bem maior, individual, intransmissível, cabendo a cada um de nós a obrigação de a preservar, manter e cuidar e fazer uso dos instrumentos que a nação disponibiliza de forma adequada às necessidades e que não prejudique as ações da saúde nos outros. À longa lista de direitos que os utentes do SNS – todos nós – usam de forma arbitraria como fundamento para a reivindicação das condições do sistema, temos de acrescentar realçando a lista (incrivelmente curta) de deveres que nunca são abordados e que passo a transcrever:

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–  o doente tem o dever de zelar pelo seu estado de saúde; isto significa que deve procurar garantir o mais completo restabelecimento e também participar na promoção da própria saúde e da comunidade em que vive;

–  o doente tem o dever de respeitar os direitos dos outros doentes;

– o doente tem o dever de colaborar com os profissionais de saúde, respeitando as indicações que lhe são recomendadas e, por si, livremente aceites;

– o doente tem o dever de respeitar as regras de funcionamento dos serviços de saúde;

– o doente tem o dever de utilizar os serviços de saúde de forma apropriada e de colaborar activamente na redução de gastos desnecessários.

Os atropelos constantes à prática destes deveres são patentes no uso que o cidadão faz do serviço de urgência dos hospitais públicos (e privados), que tantos serviços noticiosos alimenta. Recorrendo à definição de urgência e emergência em saúde, estabelecida pela Rede de referenciação hospitalar de urgência e emergência:

– Urgências são todas as situações clínicas de instalação súbita, desde as não graves até às graves, com risco de estabelecimento de falência de funções vitais;

– Emergências são todas as situações clínicas de estabelecimento súbito, em que existe, estabelecido ou eminente, o compromisso de uma ou mais funções vitais;

facilmente se percebe que um cidadão/utente que aguarda 21h por um atendimento num qualquer serviço em situação de doença aguda, não se enquadra em nenhuma destas situações (não tem com risco de estabelecimento de falência de funções vitais), pelo que, para além de não estar a zelar pela sua saúde pela qual é o único e exclusivo responsável, não está a respeitar os direitos dos outros doentes que se enquadram nas definições apresentadas a quem a assistência fica comprometida pela presença deste, não respeita as regras de funcionamento dos serviços e não está a usar os serviços de forma apropriada.

Os nossos pais e avós souberam cuidar das nossas febres, constipações, gripes, infecções respiratórias simples, traumatismos simples. Hoje, alcançamos a inteligência artificial e, no entanto, ocupamos sistemas, serviços de saúde no dia em que começamos a espirrar. Não é a abertura de mais serviços, nem a colocação de mais profissionais que vai resolver o problema deste elo, mas vai sim amplificá-lo. A gestão de saúde não se coaduna com as regras simples de oferta e procura do mercado

tradicional. A iliteracia para a Saúde em Portugal é um problema desprezado, mas com um impacto imensurável sobre o sistema, sobre a nação e sobre a saúde de cada um de nós. Não podemos continuar a apontar confortavelmente e alimentar o defeito sempre nos mesmos elos do sistema (que os têm), e temos urgentemente de olhar para cada um de nós e para o nosso grande contributo para os problemas do SNS. Nós somos o terceiro elo, e é urgente mudarmos o nosso papel e participação no sistema, para que possamos fazer mais parte da sua solução e não do seu problema. Portugal tem os melhores profissionais de saúde, tão desejados e procurados por diferentes países e que são destratados e menosprezados pela nação que servem (processo de execução do sistema), tem resultados de saúde que fazem corar a maioria dos países do mundo com os indicadores de saúde, morbilidade e mortalidade que atinge de forma regular e sustentada (resultados do sistema). Precisa urgentemente de ter a melhor população que compõe e usa este sistema! Que sejamos todos e cada um de nós!