Não sei se a ausência de ímpeto reformista se deve à necessidade de conseguir o apoio do PS ou à natureza de partido imobilista de poder que o PSD potencialmente tenha atualmente. Uma coisa sei: este orçamento há de servir a alguém. Só não sei é se serve a quem votou no Partido Social Democrata.

Desde 2015 que, atravessando líderes e comissões políticas, o PSD tem pautado o seu discurso por, entre outras coisas, reclamar o facto de o Partido Socialista não o ter deixado colher os frutos da sua governação e – mais importante – terminar a reforma do Estado e do país a que se propôs em 2011.

Fui daqueles que, ainda que triste com o fim prematuro da governação da PaF em 2015, vi como natural a aliança do Partido Socialista com os partidos à sua esquerda. Se é verdade que se suspeitava que dali viria um governo populista de esquerda (o que até nem se verificou, preferindo António Costa o imobilismo), assim funciona a democracia.

De Passos Coelho, passando por Rio, e mais recentemente Montenegro, todos prometeram que o PSD governaria de forma diametralmente oposta à de António Costa. É difícil imaginar que isso fosse verdade. Entre as contas certas apresentadas pelo PS, passando por uma certa previsibilidade fiscal, e uma agenda internacional em linha com o status quo, eram muitas as bandeiras que qualquer hipotético futuro governo do PSD teria em comum com os governos de António Costa.

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Acima de tudo, sobrava a reforma do Estado. Um Estado que muitos veem como ineficiente, despesista, que fomenta a cunha e o amiguismo, que providencia uma qualidade baixa de serviços públicos, e que sobrevive à boleia de uma forte carga fiscal. Desde um programa sério de privatizações, um plano abrangente de revisão e corte de custos diretos e indiretos do Estado, um alívio da carga fiscal, ou uma revisão da burocracia do Estado que agilizasse os seus processos. No fundo, uma reforma que tornasse o Estado – e por consequência, a economia – mais competitivo(a). A chamada “agenda neoliberal” que tanta esquerda denuncia.

Chegados a 2024, é difícil vislumbrar algum rasgo reformista neste orçamento. Alguns culpam a fraca maioria que apoia o governo no parlamento; outros, a inexistência de forças reformistas nesse suporte; outros dizem que tudo se deveu à necessidade de aprovar o documento com os votos do PS.

Compreendo e concordo com quem observa que toda atuação de Luís Montenegro foi magistralmente pensada do ponto de vista da manutenção do poder: alguma ambiguidade construtiva em relação a quem serviria de muleta para aprovar o orçamento; deixar a verdadeira negociação para a última hora (o timing em política é tudo); demonstrar alguma inflexibilidade aparente (“o governo não vai governar com o programa do PS”); e, à última hora, ir ao encontro daquilo que o Partido Socialista andou a pedir durante meses. Se o orçamento for aprovado, sai da escaramuça com uma aura de estadista; se for rejeitado, fica com uma imagem de alguém responsável que tudo tentou para conseguir viabilizar o documento.

No entanto, poucos se questionam sobre o porquê de se aprovar este orçamento específico. Será que traz alguma coisa de particularmente positiva ou relevante para o país? O seu chumbo punha em causa a execução do PRR? Não, e não necessariamente. A verdade é só uma: damos como adquirida a importância de aprovar um documento que em (quase) tudo é uma continuação daquilo que foi feito nos últimos anos. É caso para perguntar para que serviram então as eleições. Talvez mais importante seja perguntar se este é o primeiro de sucessivos orçamentos nesta linha. Será o legado deste governo um de continuidade? Não faria mais sentido ter eleições que permitissem (ou não) ao PSD governar com o seu programa, as suas ideias, e potencialmente algum desejo por reformas?

Não sei se a ausência de ímpeto reformista se deve à necessidade de conseguir o apoio do PS ou à natureza de partido imobilista de poder que o PSD potencialmente tenha atualmente. Uma coisa sei: este orçamento há de servir a alguém. Só não sei é se serve a quem votou no Partido Social Democrata.