Esta é uma crónica para pais e futuros pais. Mas também para mães e todas as pessoas curiosas em saber mais sobre a paternidade – porque as páginas de livros, cursos e serviços de apoio à parentalidade há muito que nos fazem perguntar “onde estão os pais?”

Penso já não ter dedos suficientes para contar o número de vezes que ouvi pais (e mães) dizerem que “mãe é mãe” com a intenção subjacente de explicarem que a relação do bebé, ou criança, com a mãe é naturalmente mais forte, porque há algo de instintivo que prepara as mães, mas não os pais, para esta árdua e vitalícia tarefa da parentalidade. Explicando, levantando os ombros num sinal de desespero, que o seu bebé choroso só se acalma com a mãe. Não há volta a dar. Afinal têm as mães super-poderes que os pais não têm?

Recuemos meio milhão de anos, quando se juntaram dois ingredientes para o nascimento da paternidade: o bipedismo e o aumento significativo do nosso cérebro. Esta junção, que começou a dificultar a passagem de um bebé maior do que o habitual por um canal de nascimento mais pequeno do que o necessário, levou inevitavelmente ao encurtar do período de gestação e ao nascimento de seres altamente dependentes e vulneráveis.

Se as mães de há um milhão de anos podiam depender apenas de outras mulheres para as ajudar a criar os seus filhos, e os homens não desempenhavam um papel ativo enquanto pais, o percurso da evolução obrigou a que mais alguém entrasse na equação para ajudar a cuidar de seres tão indefesos. Essa pessoa foi o pai, que passou a assumir uma participação ativa, não apenas quando a criança já o podia seguir nas caçadas, mas logo a partir da gestação e sobretudo do nascimento.

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Os pais de hoje são, por isso, a consequência de meio milhão de anos de evolução. Há quem diga que um pai nasce quando sonha ser pai. Mas diria que a crença mais comum é a de que o pai nasce apenas quando nasce o bebé. Afinal, não são eles que passam pelas mudanças físicas e biológicas durante a gravidez… Mas talvez não seja bem assim.

Nos projetos de investigação em que trabalho, relacionados com parentalidade, já vi olhos de pais e mães arregalados de surpresa depois de lhes confidenciar que a testosterona do pai diminui antes do nascimento para que sejam mais responsivos ao chorar do bebé, se tornem mais empáticos e afetuosos. E que esta alteração os torna mais sensíveis aos efeitos da oxitocina e da dopamina que lhes dão a motivação para começar a criar uma relação com o seu bebé enquanto ainda é um ser muito pequenino dentro da barriga da mãe. No fundo, preparam-nos para se tornarem pais.

Não é que esteja aqui algum segredo, mas a verdade é que esta informação está bem guardada numa gaveta a sete chaves. Afinal, não sabendo disto, continuaremos a aceitar que “mãe é mãe” sem olharmos para o reverso da moeda. Mas pai é pai também. E os pais, tal como as mães, passam por mudanças físicas e psicológicas que marcam o início deste seu novo papel e, não se surpreendam, os tornam capazes de o desempenhar. Com claros benefícios para a sua própria saúde mental, a da mãe e, claro, do bebé.

Como em tudo, não basta saber que a nossa biologia nos prepara para adotar comportamentos se na “hora h” não tivermos oportunidade de os colocar em prática. No fundo, se não nos envolvermos e aprendermos. A dose de aprendizagem que os pais precisam para conseguir acalmar um bebé, mudar uma fralda, dar um banho, estarem sensíveis e sintonizados com as necessidades da criança, é a mesma que uma mãe precisa.

Todos os pais que já conheci e com quem já trabalhei são super-pais, porque todos os dias transformam a sua dose de biologia e de milhões de anos de evolução em ações concretas de amor e presença. Cada um à sua forma. Afinal os pais também têm “super-poderes”.

Pai é pai. E o resto é história (e cultura, e política…)

Carolina Garraio é psicóloga e estudante de doutoramento na Faculdade de Psicologia e de Ciências da Educação da Universidade do Porto. O seu projeto de investigação centra-se na transição para a parentalidade, coparentalidade e envolvimento paterno. Está a implementar e a avaliar um programa (“Pais em Equipa”) para casais a viver a transição para a parentalidade.

Mental é uma secção do Observador dedicada exclusivamente a temas relacionados com a Saúde Mental. Resulta de uma parceria com a Fundação Luso-Americana para o Desenvolvimento (FLAD) e com o Hospital da Luz e tem a colaboração do Colégio de Psiquiatria da Ordem dos Médicos e da Ordem dos Psicólogos Portugueses. É um conteúdo editorial completamente independente.

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