A ENSE publicou um interessante comunicado sobre a responsabilidade da alta dos combustíveis não ser da fiscalidade, mas sim das margens dos operadores. Nota-se nele um enorme frete ao Governo, dados os recentes protestos, e também uma lamentável ignorância sobre os mecanismos de ajustamento dos preços nesse sector.

Recuemos um pouco. Em 2016, face a uma queda do preço dos combustíveis, com consequência na quebra de receitas do respectivo IVA, o Governo aumentou o imposto sobre os combustíveis (ISP) através da Portaria nº24-A/2016 porque, segundo o texto, “uma maior neutralidade fiscal das variações de preço dos produtos petrolíferos implica uma revisão regular dos valores de ISP, compensando neste imposto aquelas alterações verificadas no IVA.”

  1. A cotação do petróleo Brent tinha caído de uma média de $55,4 em 2015 para $36,2 na data da publicação do diploma e a sua revisão regular implicaria um aumento ou diminuição do ISP em função do preço;
  2. O aumento do ISP no gasóleo, 22% do consumo, foi de 40,2 para 45,1 cênt/l. O impacto no preço final com IVA foi de 6 cêntimos por litro, recordo, com o petróleo a $36,2;
  3. Hoje o petróleo está a $75 e o ISP está a… $51,3,11 cênt/l mais caro, ou 13,5 se somarmos o IVA;
  4. Sublinho, o ISP foi aumentado, nas palavras do Governo, para compensar a baixa do preço do petróleo. O petróleo, hoje, vale o dobro de quando foi publicada a portaria e o ISP está 25% mais alto. Ou seja, palavra dada, aldrabice montada;
  5. Os dados quanto ao mecanismo de extração fiscal através dos combustíveis não mentem. Segundo o relatório de execução orçamental da DGO de janeiro de 2016, o Estado arrecadou em 2015 2237m€ de ISP para 5509 MT de combustíveis vendidos nesse ano, segundo dados da DGEG. No mesmo relatório de execução orçamental, mas agora de janeiro de 2021, conseguiu em 2020 3218m€ para 4862MT vendidos. Em cinco anos o Governo PS aumentou silenciosamente em 44% a receita fiscal com uma baixa de 10% no consumo. Quando alguém disser que a responsabilidade pelos preços altos é das margens ou da Covid, lembrem-se de agradecer ao Governo PS por 13,5cêntimos por litro a mais no preço de hoje.

E a pior consequência, para lá da diminuição do rendimento disponível dos Portugueses, é a perda de competitividade. Nos tempos da troika, da austeridade e do brutal aumento de impostos, nunca se mexeu neste imposto porque o FMI acreditava, e acredita, que tal retira a competitividade à economia, algo com o qual os socialistas não se têm importado muito, pelos vistos.

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Evolução do ISP sobre o Gasóleo, com e sem IVA:

ISP Gasóleo c/IVA
2003 29,0 35,7
2004 30,7 37,8
2005 31,2 38,4
2006 33,8 41,6
2007 36,4 44,8
2008 36,4 44,8
2009 36,4 44,8
2010 36,4 44,8
2011 36,6 45,0
2012 36,6 45,0
2013 36,8 45,3
2014 36,9 45,4
2015 40,2 49,4
2016 45,1 55,5
2017 46,6 57,3
2018 47,1 57,9
2019 48,6 59,8
2020 50,9 62,6
2021 51,3 63,1

E depois há a injustiça na comparação com outros países. Dos relatórios da DGEG podemos tirar a tabela dos preços de combustíveis na Europa, juntar o salário/hora médio dos europeus, Eurostat, e chegamos à tabela da desgraça socialista: quantas horas temos de trabalhar para abastecer um depósito com 50 litros de gasóleo, nós dos mais pobres da Europa no top dos impostos mais caros:

A tabela fala por si, Portugal é o campeão com 8 horas de trabalho necessários para encher o depósito. Isto chama-se pobreza energética com impacto directo no custo de vida de todos nós, com a ajuda dos aumentos de ISP dos Governos PS, 13,5 cêntimos por litro com IVA.

Quanto à ENSE, seria interessante revisitar muito do que se publica sobre o ajustamento de preços no consumo à subida e descida de preços na cadeia de valor. Recomenda-se a consulta no Google a “Rockets and Feathers”, foguetões e penas. Sempre que o custo desce, o preço no consumo cai como uma pena, devagar, principalmente nos combustíveis, mas também no pão ou no frango. O que se afirma no relatório é um acontecimento bastante vulgar nos mercados, mencioná-lo como extraordinário e réu do aumento de preços é tentar tirar o foco da fiscalidade, os tais 13,5 cênt/litro.

Se a ENSE ou o Ministro Matos Fernandes estão mediaticamente preocupados com as margens poderiam retomar um projecto que ficou a meio, interrompido em 2017 pelo então secretário de Estado socialista Seguro Sanches. Há um bloqueio logístico em Portugal identificado em todos os relatórios da Autoridade da Concorrência. Só a Galp, e há pouco tempo a Repsol, conseguem descarregar grandes navios de combustíveis em Portugal. Isso dá-lhes uma vantagem enorme face aos restantes operadores. A ENSE detém a concessão da PolNato na Trafaria onde poderia abrir à exploração comercial para grandes navios a todos os operadores e traders, utilizando o oleoduto para o Barreiro, Montijo e eventualmente atravessando o Tejo para o aeroporto. Isso aumentaria a concorrência, diminuiria o tráfego de camiões-cisternas, reduzindo as emissões de CO2, e retiraria do Tejo 500 mil m3 de matérias perigosas que todos os anos circulam frente ao Cais da Colunas a caminho do parque de tanques do Barreiro. Isto para não falar na sempre esquecida rede de oleodutos que falta em Portugal.

Essa é uma forma de defender o ambiente, diminuir as margens, mais do que interferir no mercado com limites e margens máximas, próprias de países terceiro-mundistas. E sobre quais margens querem agir? No dia 14 de julho os preços do gasóleo, por exemplo, variavam entre 1,419 €/l e 1,589 €/l num produto que é essencialmente o mesmo, porque quase todo ele é produzido na refinaria de Sines. Hoje o mercado no retalho, não na logística e na origem, é bastante competitivo e livre. Veja-se a amplitude de preços e a oferta.

Haja vontade, menos conversa e menos populismos. Sobre as margens pode-se agir na origem e no bloqueio logístico. Falar das margens a ameaçar brutalidades e controlos é apenas uma forma populista de desviar a atenção do essencial, a fiscalidade brutal e exorbitante sobre os combustíveis em Portugal. Se estiver a pagar o gasóleo a 1,50€/l lembre-se que se não fosse o Governo socialista de António Costa poderia estar a pagar apenas 1,365 €/l.