A recente implementação do passe ferroviário verde de 20 euros em Portugal levanta questões importantes sobre a forma como o país pretende promover o uso de transportes públicos e, ao mesmo tempo, reduzir a pegada ecológica. Embora à primeira vista seja uma medida positiva, a sua eficácia real e sustentabilidade, tanto a nível económico como social, precisam de ser avaliadas de forma rigorosa.

O exemplo alemão, com a implementação do passe ferroviário de 9 euros durante a crise energética e a elevada inflação, oferece um ponto de comparação relevante. Apesar de ter atraído um número muito significativo de novos passageiros, não resultou numa transição expressiva do transporte individual para o coletivo. Este insucesso pode ser explicado, em parte, pela redução simultânea no preço dos combustíveis, o que comprometeu os efeitos da medida – era preciso reduzir todos os custos de transporte naquele momento. Contudo para sustentar este passe, o governo alemão transferiu vários milhares de milhões de euros para a Deutsche Bahn (DB), a operadora ferroviária, uma despesa substancial que levanta a questão: por que não canalizar esses recursos para políticas que poderiam ter um impacto maior sobre a alteração de modo de transporte?

O erro, ao que parece, foi criar um passe demasiado acessível, ignorando que a maioria dos utilizadores estaria disposta a pagar mais do que 50 euros por este passe, segundo resultados do trabalho de investigação da TU Munich, que acompanhou toda a medida. O preço baixo subvalorizou fatores críticos como a qualidade do serviço e o conforto dos transportes, algo que também Portugal deve ter em conta ao lançar o seu passe de 20 euros. O governo sabe que a redução do preço resultará num aumento da procura, é verdade, mas resta saber se o sistema está preparado para esse aumento, especialmente em termos de recursos humanos e manutenção. Com o tempo, a Alemanha substituiu o passe de 9 euros por um de 49 euros para a sua rede regional, mas o sistema ferroviário começa a apresentar problemas, como atrasos sistemáticos em toda a rede.

Uma das questões centrais é se o preço de 20 euros faz sentido no contexto português. Se o objetivo é atrair utilizadores de transporte individual motorizado para viagens entre cidades, é preciso questionar se esta política será eficaz. Muitos dos que utilizam o automóvel têm condições financeiras que lhes permitem continuar a fazê-lo, privilegiando o conforto e a conveniência do carro. A redução de preço do passe ferroviário provavelmente beneficiará sobretudo os chamados “cativos” do transporte público, ou seja, pessoas que já o utilizam por não terem outras opções. Talvez uma política mais ajustada, baseada no rendimento, fosse mais justa, permitindo que os utilizadores com maior capacidade económica pagassem um valor adequado pelos serviços que consomem e assim financiando melhores serviços que os consigam finalmente atrair. O foco na redução dos preços parece desviar a atenção de outras questões igualmente relevantes já referidas, como o conforto e o tempo de viagem. O transporte ferroviário tem uma grande vantagem em relação ao automóvel, que é o de permitir que os passageiros trabalhem ou descansem durante o trajeto, mas isso só será possível se as infraestruturas forem de alta qualidade, com linhas sem vibrações e comboios confortáveis. A conexão ao destino final, o que se chama o “último quilómetro”, também é crucial para que o transporte público seja uma alternativa competitiva ao automóvel. Sem melhorias nestas áreas, será difícil atrair utilizadores que, de outra forma, preferem sempre o carro.

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Outro ponto importante a considerar no que concerne ao impacto de um passe de baixo custo é uma espécie de redução da responsabilidade e direitos do consumidor que por vezes pode existir de forma inconsciente. Existe o risco de que o utilizador passe a ouvir frases como: “Com o preço que paga, o que é que esperava?”. O valor de um serviço deve ser refletido no seu preço. Ao reduzir demasiado o preço, pode-se comprometer essa ligação fundamental e, a longo prazo, impedir o feedback de melhoramento continuo que se exige neste tipo de serviço.

Portugal precisa de uma abordagem mais ampla e integrada. A redução do preço do passe pode trazer novos utilizadores, mas sem uma melhoria estrutural na qualidade do serviço, esse aumento pode não ser sustentável a longo prazo. Medidas como esta devem ser acompanhadas de um esforço concertado para garantir que os horários, os recursos humanos e a manutenção das infraestruturas estejam preparados para responder ao aumento da procura. Pensemos por exemplo na capacidade das estações, mas também na sua manutenção. Esperemos que o Governo Português seja capaz de estimar as compensações que tem que transferir para que isso seja uma realidade.

Em última análise, o passe ferroviário verde de 20 euros precisa de ser rigorosamente avaliado, tanto durante a sua implementação, mas também depois, caso haja novas alterações de política. O sucesso desta medida depende não apenas de atrair mais utilizadores, mas também de assegurar que a qualidade do serviço se mantenha alta. O preço reduzido não deve ser uma desculpa para um serviço de menor qualidade. Portugal, como outros países, pode beneficiar de políticas que incentivem o uso do transporte público, mas é fundamental que essas políticas sejam pensadas de forma abrangente e ajustadas à realidade do país. Reduzir o custo das viagens é um passo, mas sem um sistema de transporte eficaz e confortável, o risco é que a medida se revele insuficiente e insustentável a longo prazo.