A introdução da alta velocidade em Portugal parece finalmente avançar, gerando debates nas redes sociais. Observamos críticas de leigos que, muitas vezes, não compreendem a importância desse projeto, classificado por mim como vital para a sobrevivência nacional. Explico: estou convencido que sem um sistema eficaz de transporte coletivo interligando as principais cidades, Portugal corre o risco de tornar-se irrelevante neste século e no próximo.

Hoje a competição na economia global ocorre principalmente entre grandes áreas urbanizadas, como por exemplo Xangai, Londres, Nova Iorque, São Paulo, Frankfurt, ou o Randstad (Países Baixos). Para atrair investimentos e capital humano, é imperativo contar com um eficiente sistema de transportes coletivos baseados em modernos veículos elétricos, ou seja, os comboios. Menciono o caso do Randstad (Amesterdão, Roterdão, Haia e Utrecht) porque me parece ser o que de mais próximo se pretende atingir com este investimento em Portugal: uma rede de cidades mais pequenas que se tornem uma região muito produtiva, uma espécie de grande cidade descentralizada.

Em artigos anteriores no Observador –  Planear em Portugal – já referi que Portugal é um país sem viabilidade se não conseguir afirmar uma região extremamente produtiva entre Setúbal e Braga que possa competir com as regiões mencionadas acima. Não é com aviões poluentes e de baixa capacidade de transportes que se aumenta a coesão territorial. Essa é apenas uma solução de recurso entre Lisboa e Porto enquanto nada de melhor estiver disponível. As pessoas com altos rendimentos não adoram ir para o aeroporto e voar meia hora, as pessoas não têm alternativa que se lhe compare. As pessoas com baixos rendimentos não adoram andar de autocarro, muitas até têm medo de o fazer, mas não têm alternativa.

É surpreendente que muitas pessoas que se opõem a este projeto apoiem vigorosamente investimentos em estradas, os quais, embora onerosos, persistem em ser subsidiados através de elevadas taxas de portagem. Além disso, contribuem financeiramente para o sistema de transporte ao arcar com os custos de depreciação e manutenção de seus veículos pessoais. Grande parte dos custos com a utilização do automóvel privado nem sequer são percebidos pelo utilizador. Importa salientar que os custos associados aos acidentes rodoviários e as suas consequências são elevados [Socio-economic costs and the value of prevention – European Commission (europa.eu)], não sendo de todo comparáveis com os custos do sistema ferroviário.

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No entanto, o investimento exclusivo na alta velocidade não é adequado por si só. É imprescindível que haja um investimento paralelo nas redes de transporte urbanas das cidades conectadas pelo sistema, as quais devem oferecer uma resposta eficiente na proximidade das estações a serem construídas. Um exemplo bastante significativo em desenvolvimento é a revolução que a cidade de Coimbra está a realizar no seu sistema de transporte urbano. O MetroBus, que ligará a estação de alta velocidade a diversos locais de grande procura, como o Hospital, terá certamente um impacto considerável.

Outras cidades terão de fazer semelhantes revoluções nas suas redes para acompanhar o ganho de acessibilidade que vai provocar uma autêntica revolução nos tempos e segurança de viagem. É preciso preparar os sistemas de transportes locais, mas também os usos do solo que com acessibilidade alterada se prestarão a outros serviços e usos. Uma oportunidade para implementar o conceito de desenvolvimento orientado ao transporte coletivo (transit oriented development: Transit-oriented development: A review of research achievements and challenges – ScienceDirect), um conceito que já deu provas de dinamizar o desenvolvimento de regiões urbanas mantendo o impacto da mobilidade controlado.

Esta é também a oportunidade de descentralizar o país. A alta velocidade tem de vir acompanhada de um programa claro desenhado já à partida de descentralização de serviços do estado português para algumas das cidades que serão ligadas por esta nova infraestrutura. A alta velocidade não pode ser uma desculpa para nova concentração em Lisboa. Esse risco existe se não houver planeamento adequado do território.

No entanto, questiona-se se a alta velocidade se destina apenas às cidades ligadas pelo sistema. Mais uma vez, é aqui que o planeamento se revela essencial. Existe um plano ferroviário nacional que deve articular a acessibilidade das outras regiões portuguesas a esta infraestrutura estruturante. Não faz sentido ter viagens de uma hora entre Lisboa e Porto e depois 2:30 de Lisboa a Beja em comboios desconfortáveis. A rede tem de estar estruturada com ramos rápidos que permitam todos aceder ao tronco principal.

Em suma, a alta velocidade não é um luxo para os ricos; é um investimento necessário para que Portugal possa competir globalmente. É uma tentativa de ingressar no campeonato dos mais fortes, se ainda houver tempo.

Gonçalo Homem de Almeida Correia é doutorado em transportes pela Universidade Técnica de Lisboa (Instituto Superior Técnico) e agregado em sistemas de transportes pela Universidade de Coimbra. Tem uma carreira universitária de mais de 15 anos sendo atualmente Professor na Universidade Técnica de Delft, Países Baixos, nos seus programas de transportes.