De 21 a 23 de junho de 2022, as Nações Unidas irão realizar a Primeira Conferência dos Estados Partes no Tratado sobre a Proibição de Armas Nucleares (TPAN) em Viena, Áustria. Portugal, ao contrário da maioria dos Estados do mundo e especialmente dos Estados da comunidade lusófona, opõe-se a esta conferência, pelo que deixará o seu lugar vazio. Tendo em conta a atual guerra na Ucrânia e as ameaças nucleares feitas pelo Presidente russo, Vladimir Putin, seria importante que Portugal mudasse a sua postura, participando neste importante encontro multilateral como Estado observador.
Não pretendemos que o desarmamento nuclear seja um objetivo fácil de alcançar, mas também estamos conscientes de que não fazer nada equivale a aceitar a possibilidade de uma catástrofe mundial, pois nenhuma arma tem maior poder de destruição que a arma nuclear. Qualquer detonação nuclear teria consequências humanitárias, ambientais e económicas desastrosas à escala do planeta, e nenhum Estado se poderia proteger contra elas. Face a este perigo, entre 2010 e 2016 os Estados reuniram-se, quer nas Nações Unidas, quer em conferências intergovernamentais, com o intuito de criar um novo instrumento jurídico visando a proibição global de tais armas.
A 7 de julho de 2017, o TPAN foi adoptado numa conferência das Nações Unidas, tornando-se o primeiro tratado a proibir em escala global o uso, ou a ameaça de uso (ou seja, a dissuasão nuclear), os testes, a produção, a transferência, a posse e o armazenamento de armas nucleares, assim como o financiamento de empresas fabricando sistemas nucleares. Também fez da assistência às vítimas das armas nucleares e da reabilitação das áreas afetadas por testes nucleares prioridades centrais. Nessa ocasião, Setsuko Thurlow, uma sobrevivente de Hiroshima, proclamou: “Há sete décadas que espero por este dia. E estou muito feliz por finalmente ter chegado. Este é o início do fim das armas nucleares. (…) As armas nucleares sempre foram imorais. Agora também são ilegais. Juntos, avancemos e mudemos o mundo”.
O TPAN, que representa uma mudança de paradigma na área do desarmamento nuclear, entrou em vigor a 22 de janeiro de 2022, contando atualmente com 61 Estados Partes. Foi assinado por seis dos nove Estados Membros da Comunidade dos Países de Língua Portuguesa (CPLP), ou seja: Angola (2018), Brasil (2017), Cabo Verde (2017), Moçambique (2020), São Tomé e Príncipe (2017), Timor-Leste (2018); e foi ratificado pela Guiné-Bissau em 2021. Apenas permanecem fora deste tratado Portugal e a Guiné Equatorial.
Portugal faz parte da Organização do Tratado do Atlântico Norte (OTAN/NATO) desde 1949, pelo que aceita a política de dissuasão nuclear, defendida pelos Estados Unidos, França e Reino Unido, baseada no equilíbrio do terror como garantia de estabilidade e de paz mundial. No entanto, aceitar esta política não significa renunciar ao diálogo no seio das Nações Unidas para reforçar a segurança coletiva. Por esta razão, muitos países europeus – entre os quais Alemanha, Finlândia, Noruega, Suíça e Suécia – irão participar na Primeira Conferência dos Estados Partes do TPAN como observadores, um estatuto que lhes confere o direito de se exprimirem, sem participarem no processo decisório. É de frisar que também estarão presentes a Áustria, Irlanda, Malta e a Santa Sé, com o estatuto de membros, uma vez que ratificaram o TPAN, bem como diversas organizações governamentais e não governamentais.
O antigo Ministro da Defesa Nacional português, Nuno Severiano Teixeira, juntamente com 55 outras personalidades políticas e militares dos países da NATO, assinou uma carta aberta, a 21 de setembro de 2020, afirmando: “Até à data, os nossos países optaram por não se juntar à maioria global no apoio a este tratado [TPAN]. Mas os nossos líderes devem reconsiderar as suas posições. Não podemos dar-nos ao luxo de hesitar face a esta ameaça existencial para a humanidade. Temos de mostrar coragem e ousadia – e aderir ao tratado”.
Perante os perigos que a humanidade enfrenta com a mera existência de tais armamentos, perante o entendimento de que as alterações climáticas irão aumentar as tensões em todo o mundo, este primeiro encontro oferece uma oportunidade para, enfim, iniciar um caminho que nos afastará da ameaça nuclear. Portugal não deve ficar fora da história, mas deve acompanhá-la, confirmando a sua presença como Estado observador, na linha do desarmamento geral, simultâneo e controlado defendido no artigo 7° da sua Constituição.