Um estudo de 2021 indica que 84% dos rapazes e 57% das raparigas com idades entre os 14 e os 18 anos já consumiram pornografia (Wright, Paul & Herbenick, 2021). Contudo, 75% dos pais acreditam que os seus filhos nunca viram este tipo de conteúdo (BBFC, 2020). Cada vez mais ambicionamos ter uma alimentação saudável, preocupamo-nos com a saúde das crianças, apoiamos a política 0% açúcar nas escolas, vasculhamos as mochilas com medo de encontrar tabaco. Mas o que lhes entra pelos olhos e lhes tolda o raciocínio não nos preocupa nem ocupa.

A verdade é que nos venderam a ideia de que os nossos filhos devem fazer as escolhas que quiserem, desde que se sintam bem consigo próprios. Se escolhem ver pornografia e se sentem bem, qual é o mal?

E qual é o bem? O primeiro contacto com a pornografia é, em média, aos 11 anos e na maioria dos casos por curiosidade. Contudo, a crescente acessibilidade a séries com cenas explícitas e à pornografia nos últimos anos não veio esclarecer os mais novos, veio, pelo contrário, criar-lhes um conceito erróneo de dramatização do sexo. Ora, se é maioritariamente na adolescência que nos definimos, como deixamos nesta fase ao cuidado da indústria pornográfica a educação sobre o que é o amor, o respeito pela intimidade própria e do outro, da sexualidade? É normal ter curiosidade sobre sexo. Mas não os deixemos esclarecerem- se com atores que lhes vendem um sexo grátis ou com produtores de séries perversos. Falemos mais em casa, mais cedo, para que não sintam a necessidade de procurar informação fora.

A pornografia é um copo de vinho barato que promete apaziguar o desconsolo da vida. É o meio que produz o maior estímulo quando se quer contornar emoções negativas. Serve de coping mechanism quando nos sentimos sozinhos, stressados, tristes, aborrecidos ou sem sentido para a vida. Sem darmos conta, o que começou com um ato de libertação moral, porque ninguém me diz o que é bom ou mau, acaba numa jaula, preso a uma exigência, cada vez mais frequente e insaciável.

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Mas se é assim tão má porque é que não existem políticas para combater a pornografia? Protegemos os adolescentes do álcool, não os deixamos frequentar o casino, não lhes é permitido comprar cigarros. Mas a pornografia é diferente. Assumimos a cultura de que “tudo é permitido”, desde que não afete a liberdade do outro. Agarrados a esta bandeira, deixamos de lado a pergunta sobre o que nos faz realmente felizes. Deixamos de poder dizer aos jovens: isto faz-te mais feliz e aquilo faz-te menos feliz.

A realidade é outra e é simples: há coisas que nos fazem bem e outras que nos fazem mal. Isto é verdade para tudo: um telemóvel que cai na água estraga-se, um cão que come chocolate fica doente. Acreditamos que quando ensinamos os nossos filhos a arrumarem a roupa, quando dizemos que devem respeitar os outros, que “é feio” mentir, estamos a fazer deles pessoas melhores e, consequentemente, mais felizes. Por isso sim, temos de lhes dizer que o conteúdo pornográfico (séries incluídas) não é sexo verdadeiro de pessoas que se amam e que se escolherem este caminho não encontrarão nada para além de amargura. Estamos a restringir a liberdade? Não, estamos a indicar que dentro de certos limites podem navegar, sem perigo de se magoarem a si mesmos. Fora disso não lhes prometemos felicidade.

O que parece que não temos tão claro é que a pornografia fere. E isto é válido para ambos os sexos. A pornografia não é uma coisa normal nos rapazes, nem as raparigas estão longe do perigo. Rapaz ou rapariga, a pornografia deixa um vazio logo no momento seguinte e afeta negativamente a autoestima do consumidor e do parceiro (Koletic, 2017; Stewart & Szymanski, 2012). Quanto mais pornografia se consome, maior a probabilidade de desenvolver problemas psicológicos como depressão, ansiedade, stress e problemas sociais (Levin, Lills & Hayes, 2012; Camilleri, Perry & Sammut, 2021). Pelo contrário, o sexo vivido como entrega total ao outro traz alegria e nunca é associado a problemas mentais.

É triste a quantidade de vezes que a pornografia é mencionada em conteúdo público como se fosse normal. Apresentam-nos jovens necessitados do que é um vício, passando a ideia de comportamento vulgar e habitual. Não é: é precisamente o contrário do verdadeiro sexo e nunca é algo recompensador. Quando mergulhamos nela, criamos inconscientemente um conceito do sexo redutor, deturpado e exigente. Procuram-se técnicas cada vez mais exóticas para o outro me satisfazer, aumentam as expectativas (logo, as desilusões), enquanto o verdadeiro sexo flui sem encenações nem necessidade de falsas performances.

Mas o problema vai mais longe. De mãos dadas com este tema vem a violência sexual. Mais de 1 em 3 vídeos de pornografia mostram violência sexual ou agressão (Fritz, Malic, Paul & Zhhou, 2020; Bridges, Wosnitzer, Scharrer, Sun &Liberman, 2010). Este último estudo mostra que 95% dos que sofrem de violência e agressão sexual no ecrã se mostram neutros e aparentam sentir prazer simulando que a violência faz parte do prazer sexual. O consumidor simula então o que viu, normalizando a violência sexual e tornando-a quase necessária para atingir o cada vez mais árduo ápice de prazer. Tragicamente, nem só nos sites obscuros se conhece este fetiche. A subscrição que pagamos mensalmente e que julgávamos inócua, é all inclusive e infelizmente suficientemente forte para desarmar um jovem de 12 ou 15 anos.

E se alguém acreditava que a pornografia é uma “coisa da adolescência” que não tem efeitos no futuro, desengane-se. Está provado que estes conteúdos têm impacto nas relações com futuros parceiros. De acordo com um estudo que acompanhou casais durante 6 anos, o consumo de pornografia foi o segundo fator com mais repercussão negativa na vida do casal. Para além disso, as relações mais afetadas foram as dos indivíduos que consumiram pornografia. (Perry, 2017)

Por último, mas não menos importante, é preciso compreender a forma como a pornografia instrumentaliza o outro. Ao consumir este tipo de conteúdos, alimenta-se uma indústria tenebrosa que enche os bolsos à custa de quem vende tudo o que lhe resta.

Não sejamos ingénuos ao acreditar que a pornografia não entrou em nossa casa. Entre séries explícitas que nos escapam e sites que seriam facilmente bloqueados com um filtro, o melhor que temos a fazer é adiantamo-nos com uma conversa sobre sexo e explicar o quão prejudicial é a pornografia. Falemos mais de sexo, para bem dos nossos filhos!