Tendo sido aprovadas as mais recentes medidas laborais referentes à regulamentação do teletrabalho, só se nos oferece perguntar aos senhores deputados da Assembleia da República: porque é que odeiam o teletrabalho? (nota para Vasco Palmeirim: aqui está uma excelente questão para o programa O Joker – a esta ninguém sabe responder!).
Recordemos: as alterações ao Código do Trabalho (não obstante não se lhes conheça a sua exata determinação) ditam a implementação de
- obrigatoriedade de as entidades empregadoras suportarem as despesas adicionais relacionadas com o teletrabalho, mormente com eletricidade e internet,
- possibilidade de os trabalhadores com filhos até 8 anos prestarem atividade em regime de teletrabalho, sem necessidade de acordo com a entidade patronal, e
- obrigatoriedade de os teletrabalhadores se deslocarem fisicamente à empresa de dois em dois meses.
Volvidos quase dois anos de pandemia, em que trabalhadores e prestadores de serviço foram obrigados a desenvolver as suas atividades desde as suas casas, e em que muitas empresas (em especial, as ligadas aos setores dos serviços) registaram até um aumento da produtividade, esperava-se que os nossos ilustres legisladores se tivessem saído com “algo melhorzinho”. Senão, vejamos.
O recurso ao trabalho remoto permite às empresas atrair profissionais qualificados sem quaisquer barreiras físicas, enquanto permite aos trabalhadores aceder a propostas e projetos profissionais diferentes, localizados noutros países, com equipas e remunerações, também estas, diversas.
Para um país que se queixa de grandes percentagens de emigração dos jovens profissionais, estas medidas são uma oportunidade perdida para a retenção do talento português e para a atribuição de qualidade de vida aos trabalhadores aqui residentes (ainda que tenham tentado colmatar esta parte do tema com a consagração do “direito à desconexão”, mas essa é uma discussão que se guarda para outras núpcias).
Uma boa fração dos jovens (sendo certo que não estou a excluir as outras faixas etárias, mas admito que tenham outros constrangimentos para o fazer) gosta do teletrabalho puro por várias razões: facilidade na conciliação da vida profissional com a vida pessoal, redução significativa dos obstáculos tradicionais que os impedem de ter uma “experiência no estrangeiro” ou até mesmo de voltar à sua terra natal no interior de Portugal, desaparecimento dos maus-olhares das gerações mais velhas quando saem às 18h 05m num horário de trabalho que termina às 18h.
Para as empresas, este regime de prestação de trabalho também não advém sem vantagens. Efetivamente, em muitos casos, desaparece a necessidade de recorrer a um local físico para albergar os vários trabalhadores, com todas as despesas financeiras que tal local acarreta (seja a renda, a eletricidade, a água ou a mobília). Ao invés, as empresas podem optar por um espaço mais pequeno e reduzido às atividades que não sobrevivem sem módulos presenciais.
Naturalmente, isto liberta as empresas de muitas amarras financeiras que lhes são colocadas pelo normal desenvolvimento da atividade empresarial. Como consequência, poderiam ter mais disponibilidade para, quem sabe, aumentar os rendimentos dos seus trabalhadores (sim, ainda há “patrões” que querem ver os seus trabalhadores felizes e com qualidade de vida, não se resumem aos papões que os partidos de extrema esquerda tão bem “cartoonizam” nas suas propagandas populistas).
E o que veio o legislador fazer? Atirar mais uma despesa para um poço já quase a transbordar de gastos empresariais, obrigando as entidades empregadoras a suportar as despesas relacionadas com o teletrabalho. A mim, oferece-se-me dizer: mas está tudo doido?
Num regime de trabalho in loco, nunca a entidade empregadora teve de suportar os gastos dos trabalhadores com os combustíveis, com o desgaste natural dos veículos, com os passes para transportes públicos, com a compra de roupa própria para o trabalho, etc.. De onde é que vem esta invenção das despesas com o teletrabalho?
Mais: como é que se vão distinguir as despesas relacionadas com o teletrabalho das que decorrem do normal uso da casa? O trabalhador vai ser obrigado a apresentar a conta da luz ao final do mês? E a entidade patronal vai ter de lhe pagar mais porque esse trabalhador decidiu aderir ao pacote de 10 GB por mês? Ninguém curou de regulamentar estas questões?
Como é por demais evidente, uma disposição destas tem um efeito altamente dissuasor para a entidade empregadora, que é, repare-se, a última decisora do regime de trabalho aplicável ao trabalhador.
A não ser, claro, que este trabalhador tenha um filho até 8 anos. Nesse caso, a entidade empregadora não tem sequer direito a pronunciar-se quanto ao local de trabalho desse trabalhador. Como se diz em bom português, come com o teletrabalho que se lixa (e com os gastos que daí decorrem para a empresa).
Não bastava já esta epopeia de medidas estapafúrdias, vindas claramente de quem nunca esteve ao leme de uma empresa ou sentado na sua secretária enquanto trabalhador de uma qualquer organização, ainda ousam estabelecer que os teletrabalhadores têm de se deslocar à empresa de dois em dois meses.
Ou seja, desvirtuam por completo o regime do teletrabalho e impedem, de um lado, os trabalhadores de beneficiarem das suas vantagens e, do outro, as entidades empregadoras de adotarem o regime que mais lhes seja conveniente para o desenvolvimento da sua atividade, bem como de poderem contratar pessoal estrangeiro. Legislem como gente grande e deixem para a autonomia das empresas a decisão de aplicação deste regime de trabalho remoto.
Terminamos, pois, como sempre fomos, como sempre estamos: presos no tempo e estupidamente sós.