Recentemente, o Ministério das Finanças publicou dados sobre a atuação da Autoridade Tributária (AT) e, sem grande novidade, a AT deu mais uma vez razão à maioria das reclamações apresentadas pelos contribuintes.

Ao todo, durante o ano de 2020, os contribuintes apresentaram 48.702 reclamações graciosas, mas só houve decisão em 47.651. Destas, a AT deu razão aos contribuintes em 58% dos casos e só manteve até ao fim a decisão na íntegra em 12% (!), uma percentagem que nunca tinha sido tão baixa nos últimos 10 anos.

Entre 2011 e 2014, a decisão final tinha sido favorável à AT em mais de 20% dos casos, entre 2015 e 2017 rondara os 16% e 17% e, em 2018 e 2019, ficou nos 15%. Já as decisões favoráveis ao contribuinte, em 2020, representam uma subida de cinco pontos face aos 53% do ano anterior, o que é o valor mais elevado desde 2012 (quando o fisco deu razão a 59% das reclamações apresentadas pelos contribuintes), apesar de esta percentagem não andar longe dos 57% de 2018.

Além das reclamações que foram favoráveis aos contribuintes ou à AT, 25% foram impugnadas, rejeitadas, arquivadas ou os contribuintes desistiram, registando-se ainda uma pequena percentagem (4%), cuja decisão foi parcialmente favorável a uma das partes.

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As reclamações graciosas permitem aos contribuintes contestarem as decisões dos serviços tributários, sendo o Imposto Único de Circulação (IUC) o mais contestado em 2020, sendo responsável por 31,3% (15.268) das queixas dos contribuintes, uma percentagem que é superior em quase três vezes à de 2019, que foi de perto de 12%, o que se deveu em boa parte à devolução do IUC sobre aos automóveis usados importados. O IRS, tradicional líder das reclamações dos contribuintes, é a segunda maior motivação para as queixas do último ano, com uma prevalência de 22,8% (11.124). Depois disso, seguem-se as questões relacionadas com pagamentos antecipados (12,8%), com o IMT (8,4%), com o Imposto de Selo (7,8%), com o IVA (5,6%) e com o IMI (3,3). As questões relacionadas com o IRC, deduções à coleta e outros fecham as contas, assumem uma expressão conjunta de 4,7%.

Uma reclamação pode ser apresentada numa repartição de Finanças ou através do Portal das Finanças, após a qual a AT tem quatro meses para decidir e o resultado pode ser um de dois: deferimento ou indeferimento. O deferimento pode ser total ou parcial e, apesar de o indeferimento significar que as Finanças não deram razão ao contribuinte, este pode ainda avançar para um recurso hierárquico ou para os tribunais.

Importa ainda referir que em 2020 deram entrada 3.287 pedidos de oposição judicial – menos 32% face a 2019 e o valor mais baixo dos últimos dez anos – destes a AT venceu 41% dos casos e os contribuintes 39%. Em 6% destes processos, ocorreu uma decisão parcialmente favorável a uma das partes e 14% dos casos acabaram em arquivamento ou desistência.

Não se pode afirmar que estes dados sejam uma novidade, uma vez que o relatório “Tax Administration 2017”, da OCDE, já mencionava que a AT acabava por ganhar apenas 42% dos litígios judiciais e, ainda que a informação remontasse a 2015, já respeitava a sentenças definitivas e não a decisões da primeira instância. Neste relatório, era igualmente divulgado que o desempenho das autoridades portuguesas ficava bastante aquém do registado pelas principais congéneres internacionais.

Dos 40 países avaliados (note-se que a Alemanha e Espanha encontravam-se excluídas), só seis tinham pior desempenho do que Portugal: Chile, África do Sul, Indonésia, Argentina, Brasil e Índia. Mas na Europa, a pior taxa de sucesso era para Portugal e apenas Portugal e Grécia estavam abaixo dos 50%.

O relatório denuncia igualmente que as queixas sobre a agressividade crescente da administração fiscal e a sua indisponibilidade para resolver as questões, apenas por via administrativa, eram frequentes.

Em resumo, estes dados continuam a comprovar a falta de clareza do sistema fiscal português e o apetite voraz da AT por uma litigância muitas vezes sem sentido, resultando num consumo de recursos (tanto da própria AT como dos contribuintes) que em nada contribui para a eficaz e justa redistribuição de riqueza, que tantas vezes é defendida.