O tráfego no aeroporto de Lisboa – Portela cresceu significativamente durante o recente boom do turismo. A sua localização junto ao centro da cidade tem vantagens para os residentes e é provavelmente um importante fator de escolha deste destino pelos turistas para curtas viagens citadinas.

O acréscimo de tráfego na Portela beneficiou enormemente o grupo Vinci, que adquiriu a ANA em 2013. O que é facto é que o retorno do investimento da Vinci na ANA excedeu substancialmente as expetativas financeiras, uma vez que em 2012 ninguém previra o boom no turismo. O crescimento de tráfego rapidamente levou a constrangimentos de capacidade da operação aeroportuária (área de lado), o que levou a ANA a propor transferir as companhias low cost para o Montijo, de modo a libertar espaço para as companhias de bandeira, como a TAP, Lufthansa, KLM e Air France. Muitos questionaram o estudo do impacto ambiental do projeto do Montijo, mas, até hoje, essas dúvidas caíram em saco roto.

De acordo com a legislação em vigor, são permitidos na Portela um máximo de 91 voos semanais entre a meia-noite a as seis da manhã, com um máximo de 26 voos por noite. Existem, contudo, inúmeras exceções. Por exemplo, voos turbopropulsor, voos da Madeira e Açores, chegadas de voos atrasados, entre muitos outros. Todas estas exceções, que mais parecem um queijo suíço, iludem acerca do verdadeiro impacto da poluição sonora e fazem muito pouco para incentivar a ANA a agir como vizinho responsável.

Em contraste, muitos aeroportos europeus têm sido sujeitos, ao longo de décadas, a controlos de ruído, num esforço de equilíbrio entre o papel dos aeroportos como geradores de crescimento económico e a qualidade de vida das comunidades vizinhas. Algumas limitações operacionais são impostas de forma absoluta, tais como a proibição total de voos a certas horas; enquanto outras assumem a forma de restrições ao número total anual de movimentos de aviões, operações noturnas e limites máximos de ruído noturno. Muitos aeroportos europeus impõem ainda taxas de ruído, de forma a desincentivar o uso de aviões mais antigos e ruidosos.

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A concessão da Vinci contempla a construção de um novo aeroporto para Lisboa, um projeto que foi estudado exaustivamente há 20 anos. Na verdade, essa foi a razão da primeira visita do autor a Lisboa, em 2001. Na falta de limitações reais ao movimento de aviões e ao ruído, e em face de uma avaliação de impacto ambiental do projeto do Montijo pouco convincente, a ANA focou-se numa estratégia de sweating the assets na Portela, assim evitando fazer os investimentos de capital intensivo necessários a um novo aeroporto. A Vinci é uma empresa privada e por isso não pode ser culpada por adotar uma solução de curto prazo que favorece a criação de valor para o acionista à custa das comunidades vizinhas (uma externalidade negativa económica). Porém, esta estratégia transfere, no longo prazo, para o Estado, substanciais custos ambientais que vão muito para além do fim da concessão da Vinci.

O Aeroporto de Amsterdão Schiphol constitui um bom caso de estudo, já que é também a base dos aviões da KLM, os primeiros a acordar Lisboa. Em 2009, foi fixado o volume anual máximo de movimentos de aviões em 500 mil, através de um processo de consulta pública que envolveu todos os stakeholders, incluindo os residentes das zonas vizinhas do aeroporto, tendo sido estipulado que a fixação de caps para futuro ficaria sujeita a acordo dos mesmos stakeholders. Este processo colaborativo permitiu concretizar com sucesso um programa de mitigação do ruído. Enquanto o Aeroporto de Amsterdão Schiphol é uma entidade maioritariamente detida pelo Estado e governos locais, a Vinci é uma empresa privada cotada em bolsa, que serve apenas os interesses dos seus acionistas.

Portanto, é necessária uma abordagem mais holística, capaz de capturar o custo real do ruído para as comunidades circundantes e outros impactos ambientais, incluindo aeronaves mais antigas e mais ruidosas, bem como operações noturnas excecionadas. O princípio do poluidor-pagador é o pilar do desenvolvimento sustentável. O desenvolvimento de estratégias sustentáveis apenas será possível com a justa valorização do ruído, das emissões de gases e de outros impactos ambientais. A introdução de taxas de ruído incentivará as companhias aéreas a operar com aeronaves mais silenciosas, ao mesmo tempo que legislação mais estrita relativa a operações noturnas pode persuadir a Vinci a reconsiderar os seus planos para o Montijo, em prol de um aeroporto completamente novo.

Numa era de responsabilidade social e crescimento sustentável, não apenas de maximização do valor acionista, a Vinci e a ANA fariam bem em seguir o exemplo holandês, respeitando os seus vizinhos.