Talvez, hoje, não houvesse razão para vos escrever sobre o debate do Programa de Governo da Região Autónoma da Madeira, porque, em boa verdade, esse mesmo Programa foi-se.

Tal possibilidade começou a ganhar corpo quando, ontem, o Partido Social Democrata convidou, a meio do debate, os partidos com assento parlamentar para uma ronda negocial. Fracassou. O Partido Socialista – cada vez mais masoquista – manteve o traço de personalidade do “bota-abaixo” como linha orientadora da sua ação política; o Chega insistiu na sua, já, exaurida narrativa; o JPP nem na piscina dos crescidos quis nadar; a IL – órfã – ainda não tinha posição, na mesma medida em que o PAN só decidiria o seu sentido de voto, talvez, segundos antes da respetiva votação. Imagine-se tamanho cenário de uma instituição com o dever de fiscalizar o Governo ao mesmo tempo que, ela própria, se encontra profundamente desgovernada.

Maioria inalcançada, o PSD fez aquilo que nos bastidores se preparava, e perspetivava, minuciosamente. Retirou da votação a Moção de Confiança a que o Programa de Governo está subjacente, ao abrigo do Artigo 198º, do Regimento da Assembleia Legislativa da Região Autónoma da Madeira, correndo atrás do prejuízo e angariando mais alguns dias de negociação. Se alguém cederá? Só o tempo dirá.

Verdade seja dita, ninguém se mostrou, ao longo desta fantasiosa discussão do Programa, disponível para uma negociação responsável, consciente e sensata, priorizando o interesse da Região Autónoma da Madeira – que passados seis meses continua sem ver Orçamento –, sendo que todos optaram por colocar os interesses partidários à frente do normal e ajustado funcionamento da vida dos madeirenses e porto-santenses.

Tamanha é a cegueira pessoal que PS e JPP tomam em consideração que os impossibilita de atender ao desafio deixado pelo deputado único da Iniciativa Liberal – i. e., deixar passar o Programa de Governo e o Orçamento para este ano, e logo a seguir apresentar uma moção de censura. A importância da efetiva existência de um Orçamento que permita à economia respirar normalmente, e não sufocada num regime de duodécimos, pelos vistos, não leva a que os partidos, sequer, considerem tal desafio – o facto de toda esta discussão se ter tornado, clarividentemente, pessoal, só abona a favor de quem solitário permanece.

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Acontece que até 6 de Julho o Programa de Governo terá de voltar a ser votado na Assembleia Legislativa, já que a respetiva moção de confiança terá de ser votada até trinta dias depois da tomada de posse do Executivo – que ocorreu a 6 de Junho. Até lá, o Governo Regional encetará um conjunto de negociações, condenadas à partida dadas as posições tomadas, que procuram a maioria deixada escapar desde as últimas eleições regionais.

Entretanto o JPP tem exaustivamente repetido uma narrativa que esbarra contra ausência de factos. Diz o partido dos irmãos Gauleses que Miguel Albuquerque garantiu ao Representante da República a existência de uma maioria que suportaria o Programa de Governo. Ora, tal especulação é fundamentada numa notícia jornalística sem que nunca o próprio Representante da República a tenha, publicamente, confirmado. Coisa diferente é a novela que se deu na construção da “plataforma de entendimento” entre PS e JPP, visto que este último, quando confrontado, assumiu que o contacto partiu dos socialistas, para mais tarde tudo desdizer e honrar-se como salvador da pátria à procura de quem ancorasse descomunal arrogância. Tão débil era a narração de tais acontecimentos que viu-se obrigado a desmentir o que tivera dito, para se exibir como o fundador de uma alternativa por si liderada juntamente com os restantes partidos – presumindo, por isso, a inclusão do próprio Partido Socialista. Uma ideia de tal maneira alucinante que procurava colocar como Presidente do Governo Regional, espante-se, o líder da terceira força política. É verdade que António Costa teve a proeza de ser Primeiro-Ministro perdendo as eleições, mas só nas mais assombrosas mentes é que tamanho desrespeito pelo voto do eleitoral pudesse vingar. E, não se esqueça que, era com estas personagens que o PS se queria coligar.

Portugal tem entregue às ciências políticas situações que não passariam pela cabeça dos mais rebuscados teóricos e filósofos políticos, e a Madeira tem contribuído em larga escala para adensar todo o tipo de livros da Ciência Política, quer pela estupidez das propostas, como pelo arrojo da idiotice.

Seguir-se-ão as cenas dos próximos capítulos, sendo que o fumo branco, creio, demorará a chegar. Até final de Janeiro do próximo ano teremos, certamente, novidades.

20.06.2024