Ouvimos com frequência que acordos de “no-poach” (“poach” significa “caça furtiva”) são proibidos. Mas será sempre assim?
Recentemente, as autoridades de concorrência têm prestado muita atenção a práticas anticoncorrenciais nos mercados laborais – os chamados acordos de não contratação de trabalhadores ou “no-poach”. Este tipo de acordo abrange mais do que o compromisso entre duas ou mais empresas de não contratarem trabalhadores umas das outras ou de não efetuarem propostas espontâneas com este fim. Os entendimentos relativos às condições dos trabalhadores (como salários) também estão aqui incluídos (mas já não estão incluídos os pactos de não concorrência entre a empresa e o trabalhador, que pertencem ao domínio do direito do trabalho).
O exemplo mais evidente é o da Autoridade da Concorrência (AdC), que, desde 2020, tem atuado contra este tipo de práticas. Para além do célebre processo da Liga Portuguesa de Futebol Profissional decidido em 2022 (note-se que as empresas podem recorrer das decisões da AdC para tribunal), só este ano, a AdC já aplicou coimas de mais de três milhões de euros (no total) a empresas da área da consultoria tecnológica e acusou outro grupo no mesmo setor. Já em maio deste ano, a Comissão Europeia publicou uma das suas “Policy Brief” declarando que está ativamente a investigar comportamentos deste tipo e que os irá tratar como infrações “por objeto” (as mais graves).
A justificação para esta atitude é simples. As autoridades consideram que os acordos de “no-poach” têm efeitos negativos na remuneração e condições dos trabalhadores e são suscetíveis de reduzir o dinamismo do mercado de trabalho e de afetar a produtividade das empresas e a inovação.
A atitude é compreensível. Mercados mais livres são mercados mais dinâmicos, mais eficientes e inovadores. Mas será que este tipo de prática nunca pode ser permitido? Não parece que assim seja. Primeiro, pode haver outros interesses a ter em conta, como o investimento na formação dos trabalhadores (que os beneficia) e a proteção de segredos comerciais. Segundo, há determinados contextos em que uma prática deste tipo pode (sublinhe-se, pode) ser justificada. Refiram-se acordos de investigação e desenvolvimento entre empresas concorrentes, que podem dar a origem a produtos e serviços inovadores e beneficiar os consumidores no futuro. O mesmo se diga de acordos em contexto de fusões e aquisições, onde pode ser necessário proteger o investimento realizado na compra de uma empresa. É crucial, contudo, que estes acordos contenham limites (temporais, por exemplo) e que não restrinjam indevidamente a mobilidade laboral.
Como sempre, a política de concorrência deve ser aplicada de forma objetiva e não ideológica. E deve ter em conta, em última linha, o bem-estar do consumidor.
Entretanto, uma coisa é certa: o número de investigações está a aumentar. Será a Comissão Europeia a liderar daqui em diante? Apesar de tudo, é mais provável que seja a AdC a lidar com estes casos em Portugal do que a Comissão, devido ao típico caráter local deste tipo de acordos.