Já todos já experimentámos um silêncio desconfortável.
Alguns de nós têm a crença de que o silêncio durante uma conversa é algo que a interrompe. Numa relação, um sinal inequívoco de uma ligação já moribunda, com fim anunciado.
Na psicoterapia, porém, o silêncio pode ser uma ferramenta poderosa que permite ao terapeuta criar um espaço seguro e facilitar a exploração emocional e cognitiva do paciente. Enquanto psicóloga, acredito que possa ser um conteúdo tão (ou mais) rico quanto as palavras.
É uma competência necessária à formação do psicoterapeuta, esta de suportar o silêncio e não sentir necessidade de o interromper. Aprendi, com a prática clínica ao longo dos anos, a distinguir os silêncios produtivos dos improdutivos. E não faz qualquer sentido interromper um silêncio produtivo.
Quando alguém se abre e expressa e, dessa forma, me revela o seu mundo interno, é essencial permitir que o silêncio ocupe os espaços vazios. Nesses momentos surgem reflexões profundas, proporcionando ao paciente uma conexão íntima consigo mesmo e a oportunidade de explorar as emoções de forma autêntica. É através desses momentos de silêncio que a verdadeira transformação tem lugar, pois é nesse espaço de quietude que se desvendam as camadas mais profundas da sua experiência.
Recordo-me da primeira vez em que, em consulta, não senti necessidade de interromper um silêncio. Naquele dia tinha à frente Maria, uma mulher que vivia a braços com uma depressão profunda e que, numa fase avançada da terapia, me disse isto:
“É bom podermos contar com o silêncio quando estamos tristes.”
Tão só isto. E enfrentámos juntas maratonas de silêncio. De ditos e não ditos, de palavras sem som e de silêncios em forma de conforto.
Constato na minha prática clínica que muitos jovens, de quem se esperaria uma curiosidade e uma sede de saber inerentes à sua idade, têm hoje a cabeça mais cheia de ambições do que de perguntas. Mergulhados nos smartphones, são continuadamente interrompidos e invadidos por ruído. Interrupções geradas por interrupções. Muitos temem o silêncio. Não será por isso que há musica em toda a parte?
Manuel, um jovem adulto com uma perturbação de ansiedade, vivia constantemente a ocupar-se, evitando o silêncio. Sempre que se desviava da rotina (piloto automático) e ficava a sós consigo mesmo, sem nenhum objetivo, sem nada para verificar, o caos emergia. Surgiam inúmeras tentações. Era difícil só estar ali.
O trabalho com o Manuel passou por técnicas de regulação emocional e controlo da ansiedade. O banir do ruído ocupou um papel decisivo no nosso processo. Hoje consegue virar as costas ao alvoroço do quotidiano e permite-se ao luxo de não estar disponível.
O silêncio liga-se ao entrar naquilo que estamos a fazer. Sentir em vez de pensar demais. Permitir que cada momento seja suficientemente amplo. E não viver através de outras pessoas ou de outras coisas.
Às vezes (muitas vezes) evitamos estar presentes na nossa própria vida. Em vez disso, ocupamo-nos com isto e aquilo, evitando o silêncio. Procuramos incessantemente novos objetivos que atraiam a nossa atenção para fora e para longe. A fuga constante de nós mesmos é uma realidade tão brutal que evitamos pensar nela. Preferimos pensar e sentir qualquer outra coisa. E esta é uma forma de ruido que gera ansiedade e sentimentos negativos.
A ideia de que o aborrecimento pode ser evitado procurando continuadamente algo de novo, estando disponível o dia inteiro, enviando mensagens e fazendo mais cliques e likes, vendo algo que ainda não vimos é ingénua. Quanto mais tentamos evitar o aborrecimento, mais aborrecidos ficamos. Estou convencida de que o tédio é importante para a criança ser uma boa companhia para si mesma e “não fazer nada” é essencial para adquirir competências para a vida.
A este propósito, recordo uma experiência realizada na Universidade de Harvard: os cientistas deixaram os participantes – entre os 18 e os 77 anos – sozinhos num quarto durante um período de seis a 15 minutos. Sem música, sem material de leitura, sem telemóveis e sem possibilidade de escrever.
Todos, sem exceção, se sentiram desconfortáveis. Afirmaram que era muito difícil concentrarem-se durante esses minutos passados a sós, embora nunca tivessem sido interrompidos. Um terço afirmou não ser capaz de assim permanecer, abreviando os minutos em que tinham de estar tranquilamente sentados.
Os investigadores foram um pouco mais longe para perceber se os participantes preferiam algo desagradável, como receber um choque elétrico, em vez de ficarem sentados em silêncio. Cada participante fora submetido a um choque elétrico semelhante. Portanto, sabia perfeitamente quão penosa seria essa opção. O surpreendente é que quase metade acabou por carregar no botão para receber o choque, simplesmente para reduzir o tempo de silêncio.
Na depressão, na ansiedade, na saúde mental para além dos diagnósticos, o silêncio é presença a que devemos atentar. Esta necessidade transcende os limites do setting terapêutico e adentra as esferas da nossa vida pessoal e profissional. Ele faz-se presente no nosso dia a dia, convidando-nos a desacelerar, a procurar momentos de quietude no meio da agitação constante.
Assim como na terapia, permitir-se estar em silêncio nessas esferas da vida pode ser essencial para o nosso bem-estar e crescimento. É nesses momentos de serenidade que podemos conectar-nos connosco, refletir sobre os nossos pensamentos, sentimentos e experiências, e encontrar clareza e autenticidade. Abraçar o silêncio como uma prática regular no quotidiano permite-nos encontrar um equilíbrio interno e descobrir um maior sentido de presença e plenitude.
A Maria e o Manuel somos qualquer um de nós. E falar é precisamente o que o silêncio deve fazer.
Diana Costa Gomes, psicóloga clínica e da saúde, tem formação em psicoterapia cognitivo-comportamental e em terapia familiar sistémica.
Mental é uma secção do Observador dedicada exclusivamente a temas relacionados com a Saúde Mental. Resulta de uma parceria com a Fundação Luso-Americana para o Desenvolvimento (FLAD) e com o Hospital da Luz e tem a colaboração do Colégio de Psiquiatria da Ordem dos Médicos e da Ordem dos Psicólogos Portugueses. É um conteúdo editorial completamente independente.
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