O trabalho faz parte da natureza humana e tem um enorme impacto nas nossas vidas, nomeadamente no plano social, financeiro e da saúde e bem-estar individual. Neste texto, debruçar-me-ei sobre o impacto do trabalho na nossa saúde individual e coletiva.
As condições de trabalho têm evoluído ao longo dos anos garantindo uma maior proteção dos trabalhadores. O trabalho infantil e as jornadas de 16 horas são hoje realidades incompreensíveis. Porém, convém não esquecer que eram situações aceitas como normais no final do século XIX e início do século XX.
Entretanto, as relações de trabalho têm vindo a evoluir no sentido de conferir maior proteção aos trabalhadores. Em Portugal — país membro e fundador da Organização Internacional do Trabalho (OIT) — o direito do trabalho surge precisamente na passagem do século XIX para o século XX.
Genericamente a situação dos trabalhadores de hoje é substancialmente melhor que a dos seus avós. Têm férias pagas e em regra, não trabalham mais do que 40 horas semanais. Em situações de doença, desemprego ou assistência à família, também contam com a proteção da segurança social. Mas será que tudo são rosas? Não estarão os trabalhadores de hoje sujeitos a outro tipo de pressões e ameaças que os seus avós desconheciam?
Certamente que sim!
Na terminologia anglo-saxónica surgiu recentemente um novo vocábulo — “Busyness”.
Na sua origem está o facto de muitos americanos quando questionados com a pergunta: “How are you?” responderem, “Busy!”.
Aliás, são vários os estudos que indiciam que a falta de tempo é hoje um problema dos trabalhadores nos EUA. Uma análise de dados da Gallup1 feita por Ashley Whilans da Harvard Business School, revelou que a percentagem de trabalhadores americanos que reportaram não “ter tempo suficiente” aumentou de 70% em 2011 para 80% em 2018.
Uma das razões apontadas para este aumento é a cultura empresarial dominante, que confunde atividade com resultados e que acaba por sobrecarregar os funcionários. Investigações recentes indicam que trabalhadores sobrecarregados são menos produtivos e eficientes, o que obviamente tem reflexos no desempenho das organizações.
Mas, além do problema da eficiência e da produtividade, a sobrecarga de trabalho prejudica a saúde dos trabalhadores: O relatório de 2021 da Organização Mundial de Saúde (OMS) veio mostrar que a sobrecarga de trabalho aumenta o risco de acidente vascular cerebral (AVC), doenças cardiovasculares e mesmo de morte prematura. Em Setembro de 2022, a OMS e a OIT apelaram para a necessidade de medidas concretas que atendam às preocupações sobre a saúde mental da população trabalhadora.
Perante os factos acima referidos e tendo em conta que as leis laborais têm vindo a reduzir os horários de trabalho e a melhorar as condições de segurança e proteção dos trabalhadores, porque é que estes afirmam estarem sobrecarregados? Porquê o aumento das situações de burnout? Qual a influência da tecnologia digital nas relações e condições de trabalho?
Na realidade a tecnologia libertou-nos de um conjunto de tarefas monótonas, repetitivas e até perigosas, mas, também possibilitou o trabalho remoto e a comunicação permanente com as empresas. Quando é que no século XX os empregadores nos contactavam fora do horário de trabalho? Muito raramente, e apenas em situações de verdadeira emergência. Isto significa que há 20 anos a separação entre o tempo de trabalho e o tempo pessoal era real e efetiva. Hoje, nada disto acontece. Estamos permanentemente conectados uns com os outros através do telemóvel, o qual se transformou numa ferramenta de trabalho que nos acompanha praticamente durante todo o dia.
Deixámos de ter horários de trabalho e a não ser que ignoremos as mensagens e os emails que recebemos fora de horas, acabamos por estar sempre em estado de alerta e prontidão. A situação é tão grave que países como Portugal, Espanha e França aprovaram leis no sentido dos empregadores se absterem de contactar os seus trabalhadores durante o período de descanso.
O que faz a nossa sociedade venerar o “Busyness” e porque é tão difícil lidar com o problema?
Uma das descobertas da psicologia social é de que quanto mais nos esforçamos por algo, mais o valorizamos. Conhecida como a “valorização do esforço” esta tendência manifesta-se mesmo em tarefas e atividades insignificantes.
Além do fenómeno da “valorização do esforço” também é sabido que quando as organizações encorajam o “Busyness” os trabalhadores raramente resistem. Portanto, este é um problema cultural que cabe aos empregadores (públicos e privados) resolver e, a boa notícia é que é possível fazê-lo.
Num artigo publicado na Harvard Business Review (March – April 2023), Adam Waytz propõe cinco medidas que podem reverter a atual tendência.
A primeira tem a ver com os incentivos, que devem recompensar os trabalhadores não apenas pela atividade desenvolvida, mas, sobretudo, pelos resultados alcançados.
A segunda medida passa por eliminar as tarefas e atividades de baixo valor, como sejam: o registo de dados, as inúmeras reuniões desnecessárias, o preenchimento de relatórios de despesa e outras. Quão mais produtivos seriam os médicos e os professores se os libertássemos da burocracia desnecessária a que estão sujeitos?
A terceira é “obrigar” os trabalhadores a parar, gozarem férias, e desligarem-se do trabalho. Algumas empresas passaram a oferecer dias de férias ilimitados, outras adotaram sistemas de gestão de e-mail que automaticamente impedem os trabalhadores em férias de receberem qualquer e-mail, informando o emissor de que o mesmo foi eliminado e que deve contactar outra pessoa em caso de urgência. Políticas deste tipo sinalizam que a organização valoriza o bem-estar dos seus funcionários, mais que a mera atividade.
A quarta medida é dar o exemplo, isto é, a mensagem de que a empresa valoriza o bem-estar das pessoas deve começar pelo líder, que deve ter tempo livre e mostrar que a atividade frenética não é um pré-requisito para o sucesso. Os líderes devem ser os primeiros a mostrar que desligarmo-nos do trabalho, não só é natural e aceitável, como é crítico para o nosso bem-estar individual e para a produtividade da organização.
A quinta e última medida passa por criar “folgas” no sistema. O racional desta medida passa por reconhecer que as principais causas do “Busyness” são os constrangimentos de tempo e recursos. Um exemplo ilustrativo é a atual situação no SNS que não soube ou não quis identificar as necessidades futuras duma população cada vez mais envelhecida e doente, e que obriga os profissionais de saúde a sobrecargas de trabalho que acabam por se refletir numa diminuição da qualidade dos serviços prestados e no aumento das situações de burnout.
Criar folgas no sistema passa por aprimorar os recursos, o que significa mais tempo, mais dinheiro, mais espaço, mais pessoas e mais equipamento — foi o que nos faltou na pandemia por COVID-19.
Os críticos desta medida afirmam que se trata de um incentivo ao aumento da despesa e do desperdício. Em certas situações terão razão, mas será que termos dois pilotos aos comandos duma aeronave comercial é um desperdício de recursos?
A verdade é que as “folgas” no sistema são tão essenciais na gestão de crises, como o são na gestão da carga de trabalho diária de qualquer organização.
Vivemos um tempo de mudança em que a tecnologia tanto pode contribuir para ambientes de trabalho mais estimulantes e seguros, como pode ser um fator de stress e burnout.
Apesar duma legislação laboral particularmente prolixa, temos de reconhecer que nos cabe a nós, trabalhadores e empregadores, a responsabilidade de promovermos ambientes de trabalho mais saudáveis e rejeitarmos políticas e práticas laborais invasivas da nossa privacidade, e que não respeitam o equilíbrio e a separação entre o tempo de trabalho e o tempo pessoal.