No passado dia 14 de Novembro assinalou-se mais um Dia Mundial da Diabetes. Por isso, é importante refletirmos sobre a prevalência das doenças crónicas nas sociedades modernas.

As doenças crónicas resultam sobretudo de estilos de vida pouco saudáveis, logo, podem ser evitadas e mitigadas através de alterações comportamentais.

No que se refere à realidade portuguesa é importante recordarmos que 9,1%1 da população portuguesa tem diabetes; ou seja, perto de 1.000.0002 de pessoas.

A diabetes é uma doença crónica que na maioria dos casos pode ser prevenida

O principal pilar na prevenção da diabetes é a adoção de hábitos de vida saudáveis e estes são fruto de políticas de promoção da saúde eficazes.

Tradicionalmente a promoção da saúde está a cargo dos médicos de saúde pública e de medicina geral e familiar. Ciclicamente surgem campanhas (públicas e privadas) que visam alertar os cidadãos para os riscos associados a determinadas doenças ou comportamentos.

Isto significa que a promoção da saúde em Portugal está essencialmente associada à promoção da literacia em saúde, ou seja, pressupomos que mais informação é suficiente para alterar comportamentos e hábitos sociais instalados.

A verdade é que, sendo importante, a informação não é suficiente para mobilizarmos os portugueses a adotarem hábitos de vida saudáveis.

Os nossos hábitos — bons ou maus — são fruto do mundo que nos rodeia.

A nossa dieta é influenciada pelos hábitos alimentares da nossa família, da nossa comunidade e até do nosso país.

O nível de exercício físico diário depende de fatores exógenos, como sejam a distância entre a nossa casa e a nossa escola ou local de trabalho.

Portanto, se a informação não é suficiente e os nossos hábitos são fruto do mundo que nos rodeia, a solução passa por: moldar o mundo que nos rodeia de modo a que os comportamentos e hábitos saudáveis sejam os mais óbvios e fáceis de adotar.

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  • Imaginemos uma cidade em que apenas 14,9 % das pessoas utilizam o automóvel.
  • Uma cidade com uma rede de transportes públicos rápidos, eficientes e com paragens à porta de casa (não mais de 400m).
  • Uma cidade em que as ruas foram construídas para os peões e não para os automóveis e onde as pessoas se deslocam preferencialmente a pé.
  • Uma cidade onde parques e jardins ocupam 45% da sua superfície e que cada bloco de apartamentos tem uma infraestrutura desportiva comunitária ao ar livre.
  • Uma cidade em que o Estado subsidia os alimentos mais saudáveis e onde os restaurantes são incentivados a apresentarem ementas saudáveis.
  • Uma cidade que negociou com a indústria alimentar a redução do açúcar nos alimentos e bebidas à venda no mercado.
  • Uma cidade onde nos supermercados os produtos têm etiquetas que alertam os consumidores para os níveis de sal, açúcar e gordura de cada alimento.
  • Uma cidade onde as pessoas com doenças crónicas como a diabetes, o cancro ou insuficiência cardíaca, não têm de se deslocar ao hospital porque são visitadas regularmente por uma equipa de saúde.
  • Uma cidade onde o hospital está integrado na comunidade e onde esta encontra restaurantes de comida saudável e espaços e atividades lúdicas que promovem o exercício físico.
  • Uma cidade que recompensa as pessoas pelo exercício físico diário oferecendo cupões que podem ser utilizados em restaurantes, transportes e outros produtos e serviços.
  • Uma cidade que promove a entreajuda entre pais, filhos e avós subsidiando a compra de habitação de modo que todos morem perto uns dos outros.
  • Uma cidade onde as políticas públicas são avaliadas em termos do impacto na saúde da população.
  • Uma cidade que reconhece e valoriza o papel dos mais velhos e oferece vários programas de voluntariado e de atividades lúdicas e desportivas.

Será que esta cidade existe?

A resposta é sim; e é a cidade-Estado de Singapura, classificada em primeiro lugar no índice anual dos países mais saudáveis do mundo elaborado pela Bloomberg.

A população de Singapura tem a esperança média de vida à nascença mais alta do mundo (84,9 anos) e aparece também classificada em primeiro lugar relativamente à esperança de anos de vida com saúde. Não é assim de estranhar que apresente a taxa de mortalidade cardiovascular mais baixa do planeta.

Mas, Singapura não foi sempre assim!

Em 1960 a esperança média de vida à nascença era apenas de 65 anos.

Então qual o segredo de Singapura que acrescentou 20 anos à esperança média de vida à nascença em apenas 60 anos?

A resposta é-nos dada pela Professora Shyamala Thilagaratnam, diretora do “Health Promotion Board”, responsável pelos cuidados de saúde preventivos de Singapura, que afirmou:

Como muitas outras agências de saúde pública começámos por concentrar os nossos esforços na educação; mas não funcionou. Então, em lugar de concentramos os nossos esforços na educação decidimos intervir no ambiente que nos rodeia, de modo que as escolhas mais saudáveis passassem a ser as mais fáceis e mais óbvias.

Portanto, o sucesso de Singapura deve-se ao reconhecimento que os nossos hábitos e comportamentos são influenciados e condicionados — para o bem e para o mal — pelo mundo que nos rodeia e que qualquer alteração comportamental deve começar por uma intervenção no nosso meio envolvente.

Concluindo, a alteração de comportamentos e adoção de hábitos de vida saudáveis — essenciais para o bem-estar da população e sustentabilidade dos sistemas de saúde — tem de passar por intervenções diretas no ambiente que nos rodeia.

Os decisores políticos, quer ao nível central, quer ao nível local, têm de ter uma visão holística da saúde e políticas públicas transversais às várias áreas de responsabilidade político-administrativa.

No futuro, os responsáveis pelas políticas de ação social, educação, habitat, economia e saúde terão obrigatoriamente de trabalhar em conjunto coordenando e subordinando as suas políticas ao interesse da saúde pública e do desenvolvimento económico-social.

1 IDF (2021[2]), IDF Diabetes Atlas, 10th edition, www.diabetesatlas.org.
2 De acordo com o Relatório do Programa Nacional para a Diabetes 2017, em Portugal estima-se que a diabetes afete 13,3% da população com idades entre os 20-79 anos, das quais 44% desconhecem ter a doença. Estima-se que a diabetes afete mais de 1 milhão de portugueses enquanto a «pré-diabetes» afetará cerca de 2 milhões.