Não tenho por hábito documentar nas redes sociais a minha passagem em serviço pelos tribunais com uma selfie em jeito de prova de vida, como se estivesse de calções na praia de Leça, testemunha de uma fulgurante advocacia de barra que, na verdade, não tenho. Fulgurante, reitera-se.

Mas, escrevo estas linhas, por um lado, para que se me não gelem os dedos das mãos, (das mãos porque para os dos pés já é tarde), e, por outro, para descrever e lamentar as condições a que estão submetidos os advogados, pelo menos esses, em um Tribunal do Porto no final do ano da Graça de Nosso Senhor de 2019.

Encontro-me na sala dos advogados no âmbito de escala presencial. Neste Tribunal é rara, raríssima, a necessidade de um advogado em escala presencial. A sala encontra-se devidamente identificada. Não há que enganar. Provida de secretária suja e velha, cadeiras igualmente velhas, de estofo rasgado, umas azuis, outras vermelhas. Um clássico. A azul roubada no estofo. Outro clássico.

A um dos cantos jaz o cadáver de um aquecedor a gás(!). Sim, cadáver porque lhe sumiram as entranhas, quero dizer, o gás, melhor dizendo, a botija, não mais restando que a carcaça e a inscrição cínica na chapa “Superhot” a recordar tempos de serviço na sala de um magistrado, porventura.

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Num outro canto uma ratoeira, marca Pragkill, com o aviso: manter fora do alcance das crianças e … dos animais. Não consta que aqui os ratos saibam ler. Alguns assinam de cruz, porém.

Na janela, um “por favor não abrir” colado na pega. No chão, junto à janela, um pequeno lago, recreio dos hóspedes da Pragkill, seguramente. As paredes sujas. O soalho em madeira também ele sujo, empoeirado… As tomadas desconjuntadas nas paredes a convidar a um choque de realidade… O ambiente frio. Gélido.

Assim se (não) trabalha neste Tribunal. Ainda bem que não há serviço. Iria parecer um estagiário de mão tremente e voz embargada. A culpa é do Porto. Do Porto brumoso e granítico. Este Tribunal faz-lhe jus.

Quanto custará uma botija de gás?

Quanto custa a renda do Campus de Justiça em Lisboa? Esse colosso da tecnologia que mais parece o cenário de um filme de ficção científica…

Li algures que são cerca de 12 milhões por ano. Para quantas botijas daria?

Resta-me a consolação da retribuição por estas horas de serviço. Retribuição que, infelizmente, não cobrirá a despesa do médico nem da farmácia. Lá fora, a bandeira da República, tímida, enrolada a meia haste, não por força de um funéreo evento, mas por causa da gravidade…

Quanto custará uma botija de gás?