Como diz a popular canção, tudo são recordações. E, como recordar é viver, por ocasião do 47.º aniversário, apetece-me recordar um pouco a “minha” revolução de Abril de 1974.

Lembro-me bem da manhã desse dia, quando a minha juventude florescia. A comunicação, apenas se cingia a um velho rádio, um simples Grundig, sem FM que ainda guardo no meio rural, com boas recordações e magia. Mesmo sem saber nada do que se passava, achei estranho o Programa da Manhã da Renascença desse dia não se apresentar como habitualmente acontecia. Mas, sem da rotina alterar nada, lá fui para o Liceu Nacional de Bragança, para mais uma escolar jornada. Não se notava qualquer situação anormal no contexto estudantil, nem na pacatez da cidade. Afinal, Bragança ficava e ainda fica muito longe de Lisboa e a fluidez das comunicações não era o que hoje é, longe disso. O certo é que as aulas começaram como estava programado. A campainha tocou, mais uma vez, às 08.30 horas. Como todos os outros, lá fui eu para a sala n.º 2 do Liceu Nacional de Bragança, no rés-do-chão, para  iniciar o cumprimento do horário. Era uma aula de Português com o Dr. Luís Cangueiro, um ilustre mirandês, agora com múltiplas atividades pelas urbes da capital, destacando-se, entre outras áreas de atividade, pela dinâmica que imprime ao seu singular Museu da Música Mecânica. Como não pairasse no ar qualquer coisa estranha, a aula decorria com normalidade.

Só que, inesperadamente, entrou na sala de aula o Dr. Eduardo de Carvalho que, com o seu semblante imponente, proclamou a notícia a toda a nossa gente: Portugal estava a viver uma revolução, tinha chegado a liberdade. Não perdeu tempo para, logo ali, nos dar uma lição de liberdade e democracia. A primeira, e que jamais esqueci.

Para mim, como para quase toda a rapaziada do liceu, a notícia constituiu uma surpresa que se transformou em alegria ao longo do dia. Nada ficaria igual, tudo passara a ser diferente. Vivia-se a euforia, sem se saber em concreto como a situação em Lisboa evoluía.

Porém, à medida que o tempo passava e a revolução se consumava, o grito de liberdade ganhava força e a democracia dava passos de dia para dia. O 25 de Abril passaria a tornar-se uma data histórica para Portugal.

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De tudo o resto já muito se falou e escreveu. Das múltiplas manifestações, em Bragança e noutras regiões, do progresso que se pretendia, da liberdade que se vivia e sentia, múltiplas vezes com exageros e excessos de rebeldia.

Não posso deixar de recordar esse passado e de considerar a importância da revolução de Abril. Só quem a sentiu e viveu poderá avaliar o seu significado. Sobretudo jovens, como eu, oriundos do tão esquecido como atrasado meio rural, onde as dificuldades se acentuavam, nomeadamente ao nível das comunicações e da mobilidade para vir estudar para a cidade. Tenha-se em conta que nem todas as aldeias dispunham, sequer, de uma ligação telefónica e que uma boa parte delas não tinha ligação por estrada, verificando-se, também, uma significativa falta de infraestruturas de abastecimento de água potável e saneamento básico, bem como a ausência de energia elétrica. Ora, comparando esses tempos com os atuais, será fácil concluir que a evolução foi enorme, nos mais variados sentidos, desde a revolução de Abril de 1974.

A modernidade de hoje nada tem a ver com esse passado que ainda parece recente.

E se a falta de infraestruturas era evidente, a elevada percentagem de analfabetismo também ela castradora do desenvolvimento transversal, a rudeza do trabalho agrícola impeditiva de uma produtividade motivadora, eram fatores que potenciavam a dificuldade que as famílias tinham em promover a frequência do ensino básico e secundário para os seus filhos, obrigados a deslocarem-se para a cidade. Isto para já não falar do ensino superior, ao qual poucos tinham acesso. As desigualdades sociais e educacionais eram gritantes.

Não me esqueço, por exemplo, que na minha aldeia não havia “nada”. As ruas eram em terra batida, água só nas fontes e na ribeira. Energia elétrica, ligação por estrada e o saneamento básico eram inexistentes. E se deste ainda há poucos anos se beneficia, a ligação rodoviária, a rede de água e de energia elétrica podem considerar-se conquistas de Abril.

Na verdade, muitas mais coisas haveria para contar. Fica, contudo, na memória o passado, saboreando o presente, lutando por um país onde a justiça impere, o mérito se reconheça e a verdadeira democracia aconteça.