A crise dos refugiados de 2015, com os fluxos de migrantes fugindo da guerra da Síria e da instabilidade no Médio Oriente, foi formativo nas identidades dos novos partidos na Europa Central e Oriental. Quem presta atenção ao que se passa na região desde agosto de 2015 vê como os partidos e líderes no poder exploraram a onda migratória para transformar um dos sentimentos que mais votos ganham na região: o medo dos estrangeiros e a ameaça à perda de soberania.

Dois exemplos importantes – e paradigmáticos – são a Polónia e a Hungria.

Em Varsóvia, o Partido Lei e Justiça ganhou as eleições em outubro de 2015, prometendo opor-se imediatamente ao plano de distribuição de refugiados e exilados da Comissão Europeia, dizendo que não aceitaria populações fugidas da guerra, uma vez que as crenças muçulmanas são incompatíveis com a Polónia católica; os migrantes, disseram, não se integram.

Em Budapeste, Viktor Orbán tornou-se famoso no mesmo verão de 2015 por impedir a entrada de refugiados vindos da Síria e dos Balcãs. Vimos milhares concentrados na estação central da capital húngara. Mais, em poucos meses erguia-se uma vedação e patrulhava-se a fronteira húngara, que por força dos Acordos de Schengen não devia existir, mas que Orbán recriou numa tentativa bem-sucedida de mostrar ao mundo que a Hungria já não é o que era (e se disso restassem dúvidas, vejam como o Fidesz ganhou as eleições há uns dias com mais de dois terços dos deputados, sob o lema de que a Europa “não quer defender as fronteiras da Hungria, mas quer trazer mais migrantes”).

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A incidência da crise nos países da Europa Central foi providencial para os partidos nacionalistas a concorrer ao poder (e que desde 2015 ganharam grande parte dos assentos governamentais). Mas os refugiados e as questões políticas que vieram nos seus poucos pertences não chegaram à Europa num vazio. As transições do comunismo para o liberalismo deixaram marcas profundas na região. O liberalismo é uma “ideologia do progresso” e onde triunfou e perdurou – em momentos diferentes da história – fê-lo através casamentos felizes e duradouros com nacionalismos e identidades coletivas. No leste europeu trocou-se uma ideologia por outra, o comunismo pelo o liberalismo, e esqueceu-se que havia identidades enterradas pela história que não tardaria a ressurgir.

Na Polónia, os líderes do Partido Lei e Justiça foram resgatar, com todo o êxito, a matriz católica profunda do país. A Polónia viu o seu estado ser dividido entre os três grandes impérios europeus nos finais do século XVIII e só recuperou a suas fronteiras em 1918. A Igreja substituiu o Estado como depositário da identidade nacional. O século XX não foi mais brando para os polacos: depois da invasão nazi em 1939 – e da luta contra esta – veio a subjugação soviética a partir de 1945. Também a Hungria tem uma história de repressão da sua identidade que dá substância aos ímpetos nacionalistas do seu governo. Parte do Império dos Habsburgos até 1918, Budapeste voltou a ver a sua independência aniquilada por Estaline. Mas, mesmo durante o período soviético, tanto Varsóvia como Budapeste desenvolveram um desvio nacional ao comunismo, que exploraram até ao limite, e que lhes permitiu negociar a transição para a democracia nos seus próprios termos. E é esse nacionalismo que ressurge agora, mais forte que nunca.

Ora estes casos, que se têm reproduzido em grau mais ou menos elevado pelo centro ocidental do continente, têm pelo menos três consequências. A primeira e mais evidente é que criaram uma nova clivagem: já se volta a falar de Europa Ocidental e Europa de Leste, exatamente aquilo que a integração dos países do ex-Pacto de Varsóvia a seguir à Guerra Fria queria evitar. A Europa “unida na diversidade” (por esta e por outras razões) parece um desígnio cada vez mais distante.

Em segundo lugar, a Europa Central e Oriental voltou a ser um campo de batalha entre a influência da Rússia e do Ocidente. Os governos crescentemente autoritários da região servem bem o propósito russo de dividir e enfraquecer o continente, não só por desafiarem o modelo democrático e os valores liberais europeus, como por se oporem à ordem europeia centrada num modelo de governação conjunto entre os estados e as instituições em Bruxelas.

Não se trata de uma nova Guerra Fria. Esse tempo já lá vai. Mas não é bom ignorar que, com exceção da Polónia, todos os países da Europa Central e Oriental – mesmo na Áustria – têm um “partido” pró-russo, que apoia as derivas nacionalistas e os desafios à ordem europeia. Ainda que não se possa falar de um movimento transnacional pró-Moscovo ou autoritário, também é cada vez mais notório que o caminho destes estados vai numa mesma direção. Já agora, importa acrescentar que também nos Balcãs Ocidentais a Rússia está a aproveitar as reticências da Europa em dar uma perspetiva de integração aos países. O Montenegro e a Sérvia são bons exemplos. Aliás, ali há mesmo uma forte competição geopolítica entre a Europa Ocidental, a Rússia e mesmo a China.

Em terceiro lugar, é necessário tirar uma lição: por muitas voltas que se dê e muitas imposições de regime que se façam, as nações nunca esquecem as suas origens. E na primeira oportunidade jogam tudo para as recuperar, mesmo que empenhem a sua liberdade. E se a Europa continuar a tentar forçar uma integração em princípios inaceitáveis para os Estados-Membros é provável que ganhe o nacionalismo radical e o autoritarismo – mesmo que o objetivo dos eleitores seja apenas recuperar a identidade e a soberania. É preciso, agora, encontrar um equilíbrio entre a integração dos que muito legitimamente fogem das guerras e da destruição e aqueles que temem perder novamente o direito à sua forma de vida. A Europa terá de usar de muita criatividade para ultrapassar este dilema, incluindo novos modelos de integração e convivência. Se não o fizer corre sérios riscos relativamente à continuidade do projeto que nos trouxe paz e estabilidade (com altos e baixos, é certo) nos últimos setenta anos.